sábado, 31 de outubro de 2009

o encontro de Joan Crawford e Berlusconi em Santo André da Bahia

Atenta ao ritmo cadenciado dos pingos fortes da chuva e ao cantar álacre do passaredo neste sábado de Vila Molhada, passo os olhos por um ou outro jornal até me deter numa matéria escrita por um colaborador do periódico espanhol El País. Comentava as reações de perplexidade suscitadas fora da Itália com relação à atitude dos italianos em darem respaldo a um primeiro-ministro envolvido em dois processos judiciais e tido como estrela nos tablóides que noticiam escândalos sexuais.

Além do portentoso alcance midiático -- Citizen Berlusconi detém o controle da TV pública e privada da Itália -- o autor ilustra sua análise com fatores culturais, como por exemplo, o que ele chama de "a masculinidade da sociedade italiana", entendida como a predominância de valores que ainda são considerados masculinos: a autoconfiança, uma certa dureza de atitude, a busca desenfreada pelo êxito a qualquer custo -- atributos condizentes com o perfil público do primeiro-ministro e que ganham sustento numa "sociedade de aparências como a italiana."
Liguei o editorial do jornal com o filme de ontem à noite, o centésimo que o Casapraia oferece em fina parceria com o Cinema Cajueiro (houve bolo, comemoração e a presença de uma Crawford latina). Era justamente Johnny Guitar, o clássico filme do gênero western que apontava, já em 1953 para a desestabilização dos papéis tradicionais de gênero. A primeira cena apresenta um caubói -- Johnny, em pessoa -- seu inseparável parceiro chamado cavalo, o desabitado e estático cenário montanhoso e... um violão preso às costas. A mulher que ele procura (e deseja) é Vienna, personagem interpretada por Joan Crawford, a carismática dona (durona) de um cassino frequentado por brutos (eles também amam). Ela é a protagonista, a heroína do filme e vai duelar (literalmente) com outra mulher -- a vilã -- armada de pólvora, ambição e sexualidade reprimida que se vale dos amigos facínoras, a começar pelo xerife. Quem vence é Vienna. Numa completa inversão dos valores ditos masculinos, aqui são os homens que demonstram insegurança e hesitação, enquanto as fêmeas explodem em testosterona.
Berlusconi, te cuida!
Quem sabe Vienna resolve visitar Roma.
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Penso, com alívio, que nenhum italiano que conheço gosta de Berlusconi. Seria como se nós, brasileiros com alguma memória e capacidade analítica, gostássemos do Sarney. Aliás, no momento estou encantada com os presentes cinematográficos recebidos de um italiano que mora em Santo André -- o dono da Pousada Victor Hugo. Ele passou meses, talvez pouco mais de um ano, tentando elaborar sua lista de filmes imperdíveis da história do cinema e deu-se ao trabalho de consegui-los, com a ajuda de um amigo de São Paulo.
O primeiro que vimos -- olha a qualidade do début -- foi A Batalha de Argel, filme dirigido por um italiano, judeu (lindo de morrer), o Pontecorvo, um homem de esquerda ligado ao partido comunista e organizador da resistência anti-fascista em Milão e Gênova. Em 1964 conhece Saadi Yacef, o autor do livro e das memórias de batalhas anticolonialistas que dá título a sua obra prima. Vai então para a Argélia onde, trabalhando com atores não profissionais, faz uma das maiores obras-primas do celulóide de todos os tempos.
Depois de M (O vampiro de Dusseldorf, o primeiro filme sonoro de Fritz Lang) e Que fim levou Baby Jane -- qual será o próximo? -- penso na sorte que é ver cinema bom e achar gente que adora cinema nessa pequena povoação do Sul da Bahia.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

aniversário do rede furada


o rede furada atingiu a marca de 30 mil visitas

contos curtinhos de gonçalo tavares


Uma vez um médico mandou-me despir todo e depois disse:
--Ouça lá, isso é corpo que se apresente?
Ele tinha uma certa razão.
--Mas este corpo sabe dançar muito bem -- respondi-lhe na altura.
--Isso era bom antes da revolução -- disse ele -- Agora já ninguém valoriza alguém por saber dançar. Nos tempos que correm o necessário é trabalhar para construir um mundo novo e você não tem um corpo digno para o trabalho. O seu corpo é uma vergonha -- disse ele, no fim -- uma vergonha!
Desde aí -- não sei bem por quê -- comecei a ter uma certa aversão a revoluções.
Está-me no sangue.
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Quero comprar uma máquina que pense por mim.
Tenho o livro de um filósofo.
Tenho 2 livros de um filósofo.
Um livro é uma máquina que pensa por mim
e é uma máquina barata.






"A minha crueldade começou por acidente.
Um dia salvei um homem que se queria matar e hoje ele está vivo
e tem uma vida completamente
desgraçada."


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Um dia, o professor de física pediu-me para calcular a energia libertada no choque do corpo de um menino que caíra da altura de 50 metros.
Eu respondi-lhe que se o menino fosse mesmo menino nunca chegaria ao chão, mais que não fosse por teimosia.
As crianças são muito teimosas, toda a gente sabe.
Têm a mania de contrariar.
Se lhes dizem: façam isto!
É mais do que certo que elas não o façam.
Está-lhes no sangue.


terça-feira, 27 de outubro de 2009

O filme do Zaqueu

O povoado de Santo André da Bahia foi agraciado com a produção de um documentário curto (cerca de 16 minutos, dividido em 3 partes) pela produtora Blue Filmes, com direção de Bruno Bock. O filme tem um artesão -- Zaqueu -- como linha temática, porém o grande personagem é o nosso povoado, mostrado em lindas imagens do rio, do mar e da cidadezinha.
Bruno está enviando uma cópia do DVD para ser exibido no Cine Cajueiro. A meninada com certeza vai amar! (obrigada)
primeira parte

http://www.youtube.com/watch?v=YDsUJAWmchA
segunda parte
http://www.youtube.com/watch?v=pYNtvx0wpqk
terceira parte
http://www.youtube.com/watch?v=R8xxlxygwrM

além do Zaqueu aparecem outros moradores da Vila. Reconheci os irmãos Paulo e Elielto, o Bambo, o suíço Alan, o João Lúcio e outras crianças. Cláudio ajudou na produção do documentário emprestando a lancha que serviu para as locações no rio e no mangue.
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Produção: Leandro Milani
Músicas tema: Berimbau Blues e Tainá – Dinho Nascimento
Genteboa Produções Artísticas e Culturais LtdaCD Berimbau Blues
Música: A fonte, Mamamaue. - Banda Nataraj.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

IV Encontro Xamânico

aconteceu neste final de semana, o quarto encontro (serão 12) promovido pela Xamã Anna Xaraos rituais foram realizados no Casapraia inclusive o batizado de Gaia, filha de Marina, neta de Míriam
as notícias chegam através dos participantes
todos gostaram
partilharam
sentiram
são as palavras que escuto
Parabéns para Anna pelo evento que vem conseguindo manter o mesmo número inicial: cerca de 40 pessoas que se deslocam do Rio, de BH, de Porto e Arraial.
Santo André é ecumênico.

Gonçalo Tavares em Bagdá



Hoje: 2 carros = 155 mortos
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"Impedir que um homem mate outro homem deveria ser uma lei, uma lei do corpo.
Não me interessam nada as leis da justiça,
as leis escritas.
Falo de uma lei do corpo.
Construir-se um corpo geneticamente impossibilitado de matar outro.
A vontade pode desejar, mas não há braços capazes de o fazer.
É isto.
Percebem o que eu quero dizer, não percebem?
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente."
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Gonçalo Tavares, escritor português

Poema de Francisco Alvim


O Embaixador do Ceilão
encantou-se com a Embaixatriz da Índia
(mais linda asiática
não conheci)
e de repente
para constrangi-
mento geral
bradou
esta noite
você dorme comigo
Bebera demais
teve que sair
amparado pelo chofer
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poema de Francisco Alvim
tela de Juarez Machado

Figuras de Santo André (Seu Capador)


Já capei tudo
égua, boi, cachorro
porco
se duvidar capo até
burro
Cachorra é mais fácil
Bastam três carocinhos de
chumbo
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Francisco Alvim
"Elefante"

per mia figlia


a song of joy
Yo Yo Ma & Chris Botti

domingo, 25 de outubro de 2009

Santo André das cores

o Porto das Canoas ganhou novos tons italianos



a cor cinza-grafite do céu nublado afugenta os pescadores do cais enquanto Vera e Pablo esbanjam as cores básicas na fila da balsa

Hoje é dia de prosa


"De nós dois, você sempre foi o mais culto, o mais diligente, o mais virtuoso, o mais dotado em todos os campos, pois também possuía um talento que mantinha secreto, o da música. Mas no fundo da alma ocultava um impulso espasmódico: o desejo de ser diferente do que era. É o tormento mais cruel que o destino pode reservar ao homem. Ser diferente do que somos, de tudo o que somos, é o desejo mais nefasto que pode queimar num coração humano. Pois a única maneira de suportar a vida é se conformar em ser o que somos aos nossos olhos e aos olhos do mundo. (...) Devemos nos suportar tais como somos, este é o único segredo. Suportar nosso caráter, nossa natureza profunda, com todos os seus defeitos, seu egoísmo e sua cupidez, que não serão corrigidos nem com a experiência e nem com boa vontade. Devemos aceitar que nossos sentimentos não são correspondidos, que as pessoas que amamos não retribuem nosso amor, ou pelo menos não como gostaríamos. Devemos suportar a traição e a infidelidade, e sobretudo a coisa que nos parece mais intolerável: a superioridade intelectual ou moral do outro. Eis algo que aprendi no correr de setenta e cinco anos, aqui, no meio dos bosques. Você, ao contrário, não conseguiu suportar essas coisas', conclui o general em voz baixa mas firme. Depois se cala, e seu olhar se perde no escuro."
(As Brasas, Sándor Márai)

sábado, 24 de outubro de 2009

varre varre vassourinha

coisa linda nesse mundo é sair por um segundo e te encontrar por aí...
(principalmente se for numa rua limpa) não é só a Prefeitura que precisa atuar... nós, os moradores, também podemos contribuir -- e muito -- para a limpeza do lugar
esse é o panfleto que foi distribuído pelo poder público no povoado, hoje
olhem o primeiro parágrafo
"Entulhos e podas passam a ser de responsabilidade de cada morador ou proprietário do terreno"

O problema é: para onde vamos mandar o lixo? Para o Guaiú? ou para Cabrália? E os buracos na Avenida Beira-Rio e Beira-Mar? As (poucas ) ruas de Santo André precisam, urgentemente, de uma mão municipal e providencial.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

o mutirão de Santo André


Acaba de passar um carro de som na minha rua. Está percorrendo o povoado e convocando a população para um mutirão de limpeza na Avenida Beira Rio, amanhã, sábado, às 7 horas da manhã.
Iniciativa da Prefeitura de Cabrália.

livro de cabeceira do momento - As Brasas, de Sándor Márai


"A condessa tocava com enlevo: executavam a Fantaisie Polonaise de Chopin. Na sala tudo parecia vibrar. Da música parecia se desprender uma força mágica capaz de levantar os móveis e inflar as pesadas cortinas de seda das janelas. Era como se todas as coisas velhas e mofadas, enterradas há tempos nos corações humanos, recomeçassem a viver, como se no coração de cada criatura se aninhasse um ritmo mortal que, em dado momento da vida, poderia começar a pulsar com violência implacável. Os pacientes ouvintes compreenderam que a música representava um perigo. Mas a mãe e Konrad, sentados ao piano, já não ligavam para esse perigo. A Fantaisie polonaise era só um pretexto para a explosão de forças que se agitam e fazem eclodir tudo o que costuma ser cuidadosamente camuflado pela ordem estabelecida."

imagem: Frédéric Chopin, no quadro de Delacroix (curioso: faz 3 dias que Delacroix aparece no meu cotidiano -- ontem também falamos dele na conversa do cinema)

http://www.youtube.com/watch?v=tSvMhdb4WYE (para ouvir trecho da Fantaisie)

um falso milagre

Shi Lilian, um monge chinês do templo Shaolin, conseguiu percorrer 18 metros sobre a água utilizando uma técnica conhecida como "shuishangpiao" a técnica consiste em enfileirar tábuas de madeira e correr sobre elas rapidamente

"Não deveríamos ter desembarcado em Minneapolis?"


Um avião da Northwest Airlines que viajava de San Diego (Califórnia) para Minneapolis passou 240 km de seu destino porque os pilotos estavam absortos em uma discussão.
Em terra, o temor de um sequestro teve início quando os controladores aéreos perderam o contato de rádio com os dois pilotos do Airbus A-320, que tinha 147 passageiros a bordo.
A preocupação era tamanha que quatro caças da Força Aérea foram colocados em alerta.
Mais de 240 km depois de Minneapolis os pilotos perceberam o esquecimento. Eles restabeleceram o contato com a torre de controle e o avião fez um giro de 180 graus para pousar sem problemas.
"Os pilotos explicaram que estavam em meio a uma discussão sobre o futuro da companhia e se distraíram", afirma um comunicado da NTSB.
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fonte Ultimo Segundo

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

o post da Lola e a pizza da Joyce


Eva, João Antônio, Cássia e Milena se destacaram no aprendizado da Flauta e do Violino.

"Ontem, no aniversário de um ano da Pizzaria Estrela, tivemos uma noite especial! Nossos alunos mais aplicados foram convidados pela Joyce Hermeto, proprietária do estabelecimento, a comer uma pizza. Uma forma de premiar a dedicação e empenho de nossos alunos. Foi muito divertido, jogamos dama, conversamos, escolhemos os sabores da pizza e ao final assistimos “Kirikou” no Cine Cajueiro de Cláudio e Olimpia. Joyce ofereceu a cortesia uma vez por mês para os alunos do IASA. Em novembro outros quatro alunos que se destacarem nos quesitos: estudo, assuidade e pontualidade, serão premiados com o dia da pizza! Mais uma forma de estimularmos nossos alunos a se dedicarem nos estudos e também proporcionar a estas crianças uma ida a um restaurante, o que nem sempre é possível devido à carência das famílias atendidas."

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Bravo, Ziraldo!



O cartunista brasileiro, Ziraldo Alves Pinto (Minas Gerais, 1932) recebe hoje em Alcalá de Henares -- a cidadezinha nas vizinhanças de Madrid onde nasceu Miguel de Cervantes -- o prêmio Iberoamericano Quevedos, distinção equivalente ao Prêmio Cervantes de Literatura, só que para humor gráfico (a combinação de jornalismo e quadrinhos).
Seu nome e assinatura é a combinação dos nomes dos pais, Zizinha e Geraldo. Ziraldo mostrou grande interesse pelo desenho desde a infância e tornou-se um artista versátil: cartunista, jornalista, dramaturgo e escritor.
Seus personagens fazem parte da cultura brasileira. Quem não conhece Jeremias o Bom, a Supermãe, a turma do Pererê ou o Menino Maluquinho?
Durante a época da ditadura militar sofrida pelo País de 1964 a 1984, Ziraldo foi um dos fundadores do célebre jornal não-conformisata, O Pasquim.



Este desenho do Millôr Fernandes foi feito para ilustrar a capa dos 350 exemplares da edição do livro 36 Crônicas de Rubem Braga, recém-publicado pela Confraria dos Bibliófilos. Portanto, não adianta procurar nas livrarias: não estão à venda – é só para sócios.

A balsa de Santa Cruz Cabrália (Bahia)


Essa é a nossa balsa, o transporte coletivo que utilizamos quando queremos sair de Santo André para Santa Cruz Cabrália ou Porto Seguro.
A travessia segue a sinuosidade do rio entremeando as ilhas e os barcos de pesca ancorados pelo cais.
abaixo, uma balsa mais antiga
Ontem à noite, em torno da mesa e da conversa habitual com os amigos, alguém comentou sobre a qualidade excelente de um filme de desenho gráfico que comprara em Cabrália (pirates are everywhere) e que traz cenas mostrando sobreviventes de um naufrágio em cima de uma espécie de balsa feita de cadáveres humanos.
De relance, o amigo argentino ligou a idéia do desenho com o quadro de um pintor famoso – teria sido Delacroix? Chegou bem perto: olhei no Google e achei A Balsa do Medusa do artista romântico francês Théodore Géricuault (1791-1824) – sendo que o próprio Delacroix posou para a obra. Eram amigos.
O quadro foi inspirado pelo naufrágio do Medusa, um navio do governo que transportava colonos franceses para o Senegal quando afundou na costa oeste da África por incompetência de seu capitão que, por sinal, foi o primeiro a abandonar o navio levando a tripulação e todos os barcos salva-vidas. No início, puxaram uma jangada improvisada com 149 passageiros, mas logo cortaram a corda deixando os colonos à deriva sob o sol equatorial por 12 dias, sem víveres e sem água. Apenas 15 sobreviveram. Géricault investigou a estória com faro detetivesco, entrevistando os sobreviventes que lhe contaram passagens terríveis, de fome, delírio e loucura. A imagem dos corpos retorcidos dos passageiros desnudos é a própria representação da luta pela sobrevivência, tema que obcecava o artista.
Abaixo, uma obra de
Ferdinand Victor Eugéne Delacroix - A Liberdade guiando o povo (Museu do Louvre)
ressonâncias do Medusa?

paradoxo

os mineiros Clóvis e Anne se refrescam no vulcão Villarica
flashback - Caio no mesmo lugar, anos atrás enquanto o Cláudio pegava uma legítima truta da Patagônia

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Parcas e Moiras


No tempo mítico dos gregos havia três irmãs sombrias, cuja origem é discutida – dizem que eram filhas de Érebo e da Noite. Chamavam-nas de Moiras.
Só sei que eram divindades e tecelãs do destino.
Tratavam de matérias finas como nascimento, casamento e morte.
Cloto, a mais jovem, girava o fuso e tecia os dias da vida de cada alma.
Láquesis se ocupava em misturar aos fios o quinhão de sofrimento e provação destinado a cada ente; e finalmente
Átropos tinha o poder de determinar a hora da morte cortando o fio com sua tesoura encantada.
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(enquanto isso, em Santo André)
21
Foi curta assim a vez de Leandro
Morreu na estrada 001 da Bahia
Perto da ponte de Santo Antônio
Saiu sem saber que Láquesis pusera uma moto em sua rota
E que Átropos já tinha a tesoura na mão
Tava lá
o corpo estendido no chão.
Da janela daqui de casa ainda ouço o soluço da vizinha.




(enquanto isso, em Islamabad, Paquistão, Átropos corta os fios sem parar)
pelo menos quatro pessoas morreram e 20 ficaram feridas hoje em um duplo atentado suicida registrado em dois pontos do campus de uma universidade nos arredores de Islamabad....as explosões, quase simultâneas, ocorreram em uma cafeteria para mulheres da Universidade Islâmica Internacional e dentro de uma sala de aula...

Nem um dia sem poesia



Era o que dizia o pequeno cartaz afixado nos vagões do metrô em Madrid
todo dia eu lia o poema que vinha abaixo daquelas linhas
um poema diferente para cada vagão.
Que idéia luminosa: ler poesia na escuridão dos subterrâneos urbanos.
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(estação Atocha)

Bilhete de identidade

Dia do poeta Darwich

Mahmud Darwich nasceu em Al-Birwa, uma aldeia da Galileia em 1941 e morreu em Houston (EUA), em 2008. Sua poesia ultrapassou as fronteiras da geografia e tornou-se conhecida em todo o mundo árabe, que lhe conhece os versos e os recita de cor.
Darwish ganhou notoriedade nos anos 60, com a publicação de seu poema "Bilhete de Identidade". Escrito em primeira pessoa, o poema conta o momento em que um árabe fornece os números de seu documento em uma barreira israelense, na tentativa de retornar à sua terra.


Bilhete de Identidade
Mahmoud Darwich

Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono... chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos...
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio - sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes...
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai... é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês - um ser
Sem valor - nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou - Agrada-te?
Sou o meu nome próprio - sem apelido!
(...)
... Então
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!




sábado, 17 de outubro de 2009

Um passeio pelo povoado de Santo André da Bahia

Nada melhor do que caminhar por Santo André em tardes luminosas, quietas e amplas nos pequenos encontros. Ver a folhagem nova de uma árvore grandiosa -- como se o tecido do céu fosse feito de renda parar para conversar de leve com a Zélia, a dona de uma das raras lojinhas de roupas da povoação -- ela fez uma decoração nova, de chitão coloridérrimo. Zélia estava colocando as saias novas nos cabides -- mostrou a coleção -- e eu pensando nela sentada sob a pequena árvore dos pescadores que fica perto da foz. É ali que pesca, nas horas vagas (tem um barco daqui com este nome, horas vagas!); Zélia é lojista e pescadora, Santo André é cheia de gente dublê
passo pelo banco do Estacionamento da Marina invariavelmente ocupado por ela mesma e seus amigos, talvez seus parentes; fazem parte de minha caminhada, da paisagem humana, quando voltou, perguntaram

e ainda vi o Saraiva, uma pessoa com estilo,
uma figura

Por onde passo, vejo claramente a modesta roda da fortuna local se movimentar; empurram-na os que fabricam e vendem artefatos de fibra natural (gerando empregos fixos e legalizados) , os que trabalham na construção civil, nas reformas dos imóveis (a loja de construção e seus empregados também), os que vendem produtos têxteis (Patrícia Farina agora administra a loja do Costa Brasilis), tem a loja do Araticum (Lucimar), os artesãos que promovem a feirinha das sextas-feiras para venda dos artigos aos turistas, a oferta de serviços e lazer (restaurantes e afins, tranlados de vans, passeios marítimos)... bem, a lista é longa.
Espero que possamos ter um verão extendido, que as pessoas passem um bom período conosco e que procurem entender qual é o verdadeiro tesouro de Santo André.
Quem é frequentador daqui conhece a lenda do tesouro misterioso.
O tesouro de Santo André não está escondido, pelo contrário, salta aos olhos.
Pensei nisto ontem na hora do crepúsculo -- a hora do rush -- olhando os garotos de minha rua fazendo peguinhas de bicicletas. No meio da rua. Nenhum carro, moto ou ônibus à vista. Mais à noite, notei outro grupinho de meninos na praia do Gaivota. Brincavam na beira do rio, livres e lindos na escuridão da enseada escutando, como nós, o som dos tambores da capoeira.
Tomara que o verão venha cheio de música boa, de gente de todas as idades, de respeito ao próximo e à natureza.
E de (viva)cidade.






A tentação de Santo Antônio

Convencido de que navegar é preciso, Pedro Cabral partiu de Portugal a bordo de uma nau e veio encostar o casco aqui na Bahia, juntinho do lugar que escolhi para morar. É motivo de discussão o sítio exato onde ele e os outros caraveleiros aportaram. De qualquer maneira, há um marco de monumental mau gosto em Coroa Vermelha. Terá sido lá que os portugueses desembarcaram para apertar a mão dos nativos e pedir informações sobre as minas e os ouros dos tolos?
Enquanto isso, na Itália, lado a lado com as expectativas otimistas e o sopro de modernidade trazidos pela descoberta do brave new world, desenrolava-se um movimento cultural luminoso e humanista conhecido como Renascimento.
Mas havia algo de podre no reino da Dinamarca.
Havia um clima apocalíptico no ar – pois o mundo ia se acabar.
Os discursos sobre os castigos terríveis que afligiriam os pecadores (praticamente toda a Humanidade) e a proximidade do fim dos tempos insuflava as multidões. Mesmo Cristóvão Colombo, acostumado aos perigos dos oceanos, gastou seu tempo e conhecimento matemático para marcar o dia do Apocalipse Now – seria em 1650.
A arte abriu espaço para essa tendência apocalíptica. As visões do final do mundo começam a aparecer em pinturas que procuravam mostrar o panorama da danação que se aproximava. Quem se notabilizou nesse campo minado foi Hieronymus Bosch, um dos últimos pintores medievais (Países Baixos) de formação religiosa fortíssima. Sua obra mais desconcertante A Tentação de Santo Antônio retrata um mundo grotesco, putrefato e decadente. A variedade de monstros e demônios da tela é espantosa, numa alegoria aos tormentos da alma do Santo, um peregrino que passou a maior parte de sua vida no deserto egípcio. Há um diabo com crânio de cavalo tocando alaúde; um peixe engolindo um homem; uma mulher cavalgando uma ratazana; monstros imaginários sortidos; incêndios; objetos voadores não identificados.
São imagens asquerosas, mas que exercem um enorme fascínio – é o bizarro em forma de arte.