segunda-feira, 25 de março de 2013

o que é uma cidade moderna?

retrato de Charles Baudelaire por Gustave Coubert
A partir de meados do século XIX, as multidões anônimas das cidades tornam-se um dos aspectos mais marcantes da vida social.
Charles Baudelaire foi um dos primeiros artistas a usar a cidade como tema de seus poemas, onde falava também da multidão, da avenida, da impressão alinhavada e caótica que a modernidade causa nas pessoas.
No seu livro Pequenos poemas em prosa (Spleen de Paris), Baudelaire mostra uma sensibilidade moderna com relação às grandes aglomerações urbanas, como se pode ver no fragmento 12, intitulado "As multidões"

"Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis para o poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar a própria solidão também não sabe estar só entre a gente atarefada. O poeta goza desse incomparável privilégio de poder, quando lhe agrada, ser ele mesmo e um outro. Como essas almas errantes que buscam um corpo, ele entra, se quiser, na personagem de alguém..."
(Baudelaire, 1995, pg. 41
centro de são paulo (imagem da web)
 Pois defrontar-se com a multidão é uma atitude moderna que não exclui o susto e o temor da perda da individualidade, mas inclui o fascínio do novo e o heroísmo de aceitar a ameaça de dissolução do eu como nova condição humana.

domingo, 24 de março de 2013

Pintura: Manet

"Boating" , Edouard Manet


Manet pode ser considerado como o último pintor da tradição e o primeiro entre os modernos da pintura francesa. Escolheu tornar-se artista, e não seguir os passos do pai e avô na carreira do Direito. Antes disso, e mesmo sem ter vocação para a Marinha, tentou a carreira naval embarcando num navio mercante que passou pelo Brasil onde ficou interessado pela natureza e cultura exótica, pelas mulheres. Sentiu horror à escravidão.
Está inserido  num dos  movimentos artísticos mais charmosos e divulgados da História da Arte --  o impressionismo, aquele tipo de pintura que, ao mostrar uma parte qualquer do mundo procura mostrar também como esta parte do mundo está sendo absorvida pelo pintor. Isto é, como o pintor é afetado pelas impressões de luz em sua retina e como ele tenta "segurar" na tela o efêmero dessa percepção, sem necessidade de congelar a cena na forma perfeita.  Os espertos de pintura encontram traços da  influência de Gustave Corbet na obra de Manet.
 Corbet  era um pintor da escola realista, que observava o ordinário, o banal do cotidiano  –  e pretendia simplificar os modos do pintor descrever e interagir com o mundo. 
"Mulheres peneirando trigo", óleo de Gustave Courbet (1855)
 A tela das mulheres trabalhando com o trigo é um bom exemplo do  estilo realista de Courbet. Ao contrário do gênero romântico, a pintura não busca a perfeição da linha e da forma: mostra paredes sujas, o tédio da mulher de vestido cinza, o cabelo desgrenhado do rapaz...
Diz-se que as modelos da pintura são as irmãs de Courbet, Zoe e Julieta, e o menino é o seu filho ilegítimo.
'Música no Jardim das Tulherias", 1862
Um aspecto que salta aos olhos na tela acima é o interesse de Manet em capturar o turbilhão da vida moderna. Ou seja, o tititi da sociedade burguesa, a cacofonia  de sons e cores, a variedade de pessoas e circunstâncias com que se depara o habitante da cidade moderna.
'
"A estrada de ferro", Edouard Manet 1873
 O herói desta tela -- um  herói moderno -- é o trem a vapor.  
"A estrada de ferro é um poema sobre a velocidade contemplada com calma. Não conheço nenhum quadro do século XIX que celebre a modernidade tão cabalmente como este" (FRIEDRICH, Otto em Paris no tempo dos impressionistas).
Manet, na realização de A estrada de ferro conseguiu captar o fascínio em relação ao trem, um dos maiores símbolos do progresso do século XIX. Vemos aqui duas figuras, uma mulher sentada próxima aos trilhos da linha férrea e uma criança, talvez sua filha.  Duas figuras do povo, comuns, interagindo com uma grande invenção tecnológica da época ao contrário de épocas passadas quando somente as classes superiores tinham contato com os avanços da indústria e da tecnologia. A difusão é propiciada pelo surgimento dos grandes centros urbanos e pela crescente interação entre as classes. No novo entorno urbano,  estratos sociais múltiplos se misturam ao acaso. O novo ambiente é mediado pela indústria e pela tecnologia. Vale notar que Manet não está mostrando uma confluência pacífica entre as classes, um todo harmônico. O que ele mostra é um tipo de reconhecimento sóbrio  de como, na cidade moderna  as pessoas roçam e se confrontam umas com as outras do mesmo modo que se confrontam com o (novo) ambiente.
"O almoço sobre a relva", Edouard Manet
 Vemos aqui a irreverência de Manet  com outra sutileza da sociedade em que viveu. Ele introduziu uma pegada burguesa numa cena pastoral -- cuja composição segue o ideal  de perspectiva da Renascença. Representa homens de classe média levando prostitutas, talvez, ou cortesãs, para uma farra sexual no parque, numa espécie de piquenique que não era considerado exatamente como o domingo no parque de uma família. A cena adquire um tom que não era geralmente colocado para o consumo público. A tela chocou a classe média e abastada que frequentava as exibições de arte, principalmente o olhar da mulher nua ao lado dos vestidos cavalheiros: ela encara o espectador, passando um sentimento de que estamos sendo observados -- e não apenas observando. E sentimos que a obra de arte está chamando a nossa atenção para o seu status de pintura, de representação da realidade, ao invés da ilusão de que se olha para o mundo. Ela perturba nossa expectativas realistas.   A mulher nua que nos encara é uma forma de lembrar seu status de pintura e não uma janela para o mundo onde o espectador poderia ter a ilusão de estar observando a realidade.


É a dimensão reflexiva da pintura: dobras da arte.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Santo André, uma praia da Bahia (depoimento de uma moradora)

Volta e meia digo neste espaço que o povoado de Santo André da Bahia é um dos temas que povoa essas falhas, efêmeras páginas virtuais. Não procuro -- geralmente aparece algo que me remete a Santo André, como por mágica, na minha telinha.  A aparição de hoje me surpreendeu porque acompanho o blog da Léa Penteado com aplicada regularidade e não tinha visto a matéria abaixo. Foi uma amiga em comum que me deu a dica. Se você veio parar aqui procurando informações sobre este cantinho do Sul da Bahia, repare no que a Léa mostra nas fotos e no texto.
Boa viagem!
-------------------------------

Léa Penteado
"Meu irmão Victor contou que em meados dos anos 80 viajou com um amigo italiano a Porto Seguro e num carro alugado saíram em busca das praias. Seguindo em direção norte numa estrada de areia à beira do mar, chegaram a uma pequena cidade onde havia um rio, um atracadouro e barcos pesqueiros. Atravessaram o rio com ajuda de um barqueiro, caminharam por mangues, seguiram o rio que se encontrava com o mar e “descobriram” um povoado que nem tinha luz. Era Vila de Santo André, um paraíso praticamente secreto. Assim como eles, muitos brasileiros e estrangeiros cansados da metrópole fizeram este trajeto e por aqui ficaram extasiados pela beleza natural.
Em agosto de 2004 vim morar neste lugar e apesar dos upgrades com a balsa para a travessia do rio, luz, telefone, internet, resort, pousadas e restaurantes, Vila de Santo André mantém a mesma essência de povoado tranqüilo com ruas de terra, vegetação exuberante e uma pacata comunidade com menos de 800 habitantes. Mas no verão a população chega a triplicar.
A travessia do rio João de Tiba é linda em qualquer horário e não leva mais do que 10 minutos. Das 6 às 19h30hs a balsa sai a cada 30 minutos e a partir das 20hs, a cada hora. Do outro lado do rio são 2 km de estrada asfaltada até uma bifurcação à direita numa rua de terra e entra-se na vila. É uma vila que não tem praça. O movimento acontece à beira do rio, em alguns bares e no campo de futebol. São 4 times de futebol (1 infantil, 1 feminino e 2 adultos) e no dia 1º de janeiro é tradição o jogo com os homens vestidos de mulher. A vila tem uma igreja, um posto de saúde com consultório dentário, uma escola municipal de ensino fundamental, uma escola para alfabetização e duas ONGs (IASA e Centro de Convivência e Cultura). É possível ouvir pelos becos e vielas o som de flautas tocando “As Quatro Estações” de Vivaldi ou ”Asa Branca” de Luiz Gonzaga.  São as crianças do Ambiente Musical, um projeto do IASA que pretende formar uma orquestra.
desembarque da balsa em Santo André
A rua de terra com muitos quebra molas vai beirando o rio continua paralela ao mar até se encontrar novamente com a estrada de asfalto que leva a Santo Antonio (8 km), Guaiú (14 km) e termina no município de Belmonte (50km) onde o rio Jequitinhonha desemboca no mar. Esta rua “principal” – Av. Beira Mar - dá acesso ao Resort Costa Brasílis, às pousadas e a quase todos os restaurantes. Logo na entrada tem o camping da Vera e do Nelson Zippin (completamente anos 70!); em frente e escondida em meio a árvores, a lanchonete do Nelmo com o melhor hambúrguer da região...   Seguindo a estrada de terra, voltada para o rio tem a Pousada Corsário com o restaurante El Floridita. A Mikie comanda a cozinha e vale provar a lagosta com arroz negro, o peixe com gengibre e inhame rosti, frango com queijo coalho. A gastronomia em toda vila é um luxo!  Vide as referências do expert em turismo Ricardo Freire, em seus artigos. Ainda na beira do rio o charmoso Bardo Rio, um bar que abre a partir das 17hs,  local perfeito para ver a lua nascer, oferece também ótimos petiscos. Tem também o restaurantes Sant´Annas (pastas italianas feitas pelo “chef” Stefano) e Gaivota (vale provar o Veleiro, um PF chic...).
praia de Santo Antônio
Fora da rua principal, as placas indicam a Pizzaria Varanda da Joyce Hermetto, artista plástica que morou muitos anos em Arraial d´Ajuda e faz luminárias, almofadas, panos pintados com desenhos temáticos e um traço inconfundível.  Quase ao lado da Joyce, a Barraca Nativa do Paulo, onde tem forró, e na frente a pequena loja de artesanato da Monica. Continuando na principal rua de terra da vila tem a Loja Santo André da Zélia, com vestidos, batas, chapéus e biquínis, e no Resort Costa Brasilis a “boutique” Dé Bahia, da Patrícia Farina,  que vende do chapéu Panamá a maravilhosas colchas, jogos americanos e almofadas feitas de fuxico pelas mulheres da comunidade.  As “Jóias da Floresta”, criativos colares e pulseiras feitos com sementes pela artesã Lady, se tornaram marca registrada da vila e produto de exportação, estão à venda numa lojinha à beira do rio.
No coração da Vila, os restaurantes Aroeira, comidinha caseira feita pela Lia, no maior capricho,  e o Almescla, da Zeti e do Célio. Vatapá, caruru e moqueca, comidas típicas é assunto para autêntica baiana Silvia, no Restaurante Orquídeas. Saindo de Santo André vale esticar até o Guaiú para provar a comida da Maria Nilza feita no fogão a lenha. Um luxo!
Um jardim surpreendente à beira mar na Pousada e Restaurante Jacumã. Um cardápio de respeito. A Pousada e Restaurante Victor Hugo é do italiano Ugo Colombo que chegou nos anos 80 com meu irmão, e tem “um terraço debruçado sob o mar” com coqueiros, caminhos de hibiscos e sombras de amendoeiras. O Resort Costa Brasilis tem 122 apartamentos e bangalôs espalhados em uma área de 50 mil m2.  Um conforto diferenciado numa vila quase rural. Lá dentro, o Spa Ruby,  da carioca Flávia Pereira, atende não apenas aos hóspedes com massagens restauradoras com óleos e pedras quentes, banhos com especiarias, shiatsu, yoga, sauna, hidromassagem e ofurô.
charme puro, uma varanda no mar
 O Mercado Maciel, na rua principal, é praticamente um Carrefour, tal a variedade de produtos e tem pão fresco pela manhã. Apesar de a economia ser voltada para o turismo são poucos os estabelecimentos que aceitam cartões de crédito/débito. Os restaurantes Jacumã, El Floridita, Gaivota e da Pousada Gaili aceitam, assim como o Mercado Maciel, o Spa Ruby e a loja Dé Bahia. Em Santa Cruz Cabrália tem agencias do Banco do Brasil e do Bradesco e um caixa eletrônico da Caixa Econômica.
A Vila é um paraíso para os velejadores. Profissionais e amadores podem contar com o Carlindo, nativo que conhece todos os caminhos do rio e do mar. Além das aulas de kitesurf, hobicat e veleiro, Carlindo faz deslumbrantes passeios subindo o rio para ver o sol se por ou até Araripe, um banco de areia cercado por piscinas naturais, distante 2 horas da costa.
praia de Santo André
Santo André está localizada dentro da APA Santo Antonio, uma área de proteção ambiental cercada por mata Atlântica, com praias semi virgens e certas restrições para edificações. No encontro do rio com o mar há cadeiras, guarda-sóis e pequenas cabanas que recebem grupos de turistas que saem de Cabrália em passeios de escunas. Anda-se muito a pé nas ruas de terra, mas quem quiser pedalar o Joab aluga bicicletas. Algumas pousadas oferecem conexão wi fi, e ainda tem a Internet Café Mata Encantada. Têm aulas de hidroginástica à beira do rio, de segunda à sexta às 11hs com a professora Vivian, que também dá aulas de dança afro. Verão e inverno é temporada de workshop de yoga na Ponta de Santo André à beira do rio, já uma tradição. Neste espaço acontecem cursos diversos, sempre voltados para o bem estar e é um dos locais mais lindos desta vila que é especial, simples e pequena. Quem vier fora da estação, conhecerá uma vila quieta e se apaixonará, assim como eu."
praia de Santo Antônio