"O filósofo lendo" tela de Jean-Baptiste Chardin, 1734 |
Em tempos de FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, a leitura, as palestras, os colóquios e debates têm preenchido meu tempo completamente. Para comentar esta atividade tão gostosa e enriquecedora -- a leitura -- trouxe para cá este artigo escrito por um professor de literatura (blog "O magriço cibernético) onde ele comenta este quadro de Chardin.
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"O primeiro
elemento que deve merecer destaque é a roupa do leitor. É importante notar que
ele usa uma vestimenta formal, como se tomasse parte de um cerimonial, de um
culto. Tanto que porta um chapéu, o que transmite, no contexto, um ar sagrado
ao ato que está realizando. Reforça ainda essa atmosfera solene a expressão
compenetrada da personagem, o seu alheamento em relação ao que a cerca, além do
silêncio que domina o ambiente. Todos esses ingredientes nos ensinam que a
leitura é um ato sério, de concentração quase sagrada, pois só assim alcançará
eficiência. Infelizmente, são elementos que estão se tornando raros nas
gerações atuais, extremamente dispersas e desfocadas. Dominar essas
habilidades, portanto, garante uma enorme vantagem diante da mediocridade que
impera o pensamento atual.
O segundo
elemento importante é a ampulheta, no canto inferior esquerdo do quadro. Ela
instala um interessante e poderoso paradoxo. A começar, esse instrumento, que
representa a brevidade do tempo humano, se for deitado, vai lembrar o símbolo
do infinito. Efemeridade e perenidade em um mesmo objeto. A conjunção dessas
qualidades opostas coloca em foco grandes questões ligadas à leitura. A
primeira é a de que o tempo que escorre, o qual marca tanto o fluir da vida do
leitor quanto o da leitura, evoca a grande e prazerosa angústia do intelectual
– a incompatibilidade entre o tanto que se quer ler e o pouco de tempo que se
tem de vida para isso.
Outro ponto
interessante nesse aspecto temporal é o diálogo entre eterno e passageiro na
relação entre o leitor e a leitura. O homem tem uma existência breve, ainda
mais quando comparado com a duração das ideias que são veiculadas por um livro.
Entretanto, é esse bicho da terra tão pequeno e efêmero que, por meio da
degustação de um texto, acaba dando eternidade ao que está em uma publicação. Em
suma, esta é superior ao homem, pois o supera em durabilidade; entretanto, essa
superioridade só é possível pelo fato de existir alguém, ainda que fugaz, que
leia esse volume.
Por fim, o
terceiro elemento que merece destaque é o bico de pena que se encontra ao lado
da ampulheta. Ele revela que o leitor não assume uma postura passiva de mero
receptáculo do que é apresentando pelo livro. Muito ao contrário disso, sua
atitude é ativa, pois demonstra uma disposição a fazer anotações, a concordar,
a discordar, a resumir, a acrescentar. Ratifica o postulado de que um
intelectual lê escrevendo. A verdadeira leitura se faz com escrita. Quem lê bem
escreve bem. Quem escreve bem lê bem. Impossível admitir o contrário.
A aceitação de
todos esses elementos expostos aqui – nunca é demais repetir – é condição
essencial para que a leitura se realize de maneira eficaz, contribuindo para o
desenvolvimento do homem em sua plenitude cognitiva e afetiva."
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