A coleção de depoimentos sobre Santo André está só aumentando... Desta vez trago a voz de um professor paulistano dizendo-nos sobre as três (três!) férias seguidas que ele e a família passaram no nosso povoado. O Josmar da foto tem um blog
neste endereço.
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"Tudo que vou escrever a seguir não vale para jovens baladeiros a fim de um lugar para encontrar outros jovens baladeiros. Mas se você tem filhos, tem mulher, tem um monte de tensões desenvolvidas pela exposição continuada a São Paulo, ou alguma destas características tomadas isoladamente, então leia.
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Chegue a Porto Seguro, mas não perca nem mais um minuto do seu tempo. Pegue logo a estrada para o norte e vá contando as cidades. Você passará por Coroa Vermelha até chegar a Santa Cruz da Cabrália. Ali há uma balsa que atravessa o rio João de Tiba. Ela sai de meia em meia hora durante o dia e tem horários mais espaçados a partir das oito da noite. Ao chegar do outro lado você encontrará um pequeno vilarejo, com umas 900 pessoas viventes, entre nativos e adotados: Santo André. Meu pequeno paraíso particular. É onde mora um pedaço do meu coração.
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travessia de balsa entre Cabrália e Santo André na madrugada (foto de Claudia Schembri, moradora) |
Como nos conhecemos, eu e a vila? Em 2010 eu fui pra lá com a família no esquema “última opção”. Resortão Costa Brasilis, pacote CVC, preço mais em conta, único com vagas disponíveis. Estava muito muito triste. Tinha acabado de perder o concurso para professor da USP, para o qual tinha me preparado e dedicado muito de meu esforço. Sentia-me entre desamparado e desvalorizado. Queria fugir dessa sensação de derrota.
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veleiros e crianças: uma dupla inseparável na enseada que se forma no encontro do rio com o mar |
Sim, o Ricardo Freire, do blog Viaje na Viagem tinha falado bem, mas confesso que fui meio ressabiado. Precisei de algumas horas descalço, de filhos na piscina e da brisa à beira mar para reverter minhas expectativas. Adorei o lugar. Ele é muito especial, a começar pela sua trilha sonora. Não há ali barulhos de máquinas, tirando o ar condicionado e alguns barcos que saem para pescar na madrugada e voltam ao final da tarde. Raramente passa uma moto ou um carro pelas ruas de terra. Há muitos passarinhos destemidos, que fazem ninhos ao alcance da mão e que cantam, meu deus, eles não param de cantar. Se você sair um pouco do esquema piscina com monitor, que as crianças amam (deixe elas lá), seus olhos vão alcançar a praia deserta, o céu azul, a rua de terra, os flamboyants floridos. Pessoas cordiais andam pelas ruas e dizem bom dia. Santo André é lar de alguns artistas, de alguns artesãos, de alguns argentinos, italianos, franceses, suíços. As peles negras, morenas e branquelas se cruzam pela rua principal e pelas vielas. Os restaurantes em volta são cheios de pretensões gastronômicas; alguns acertam, outros nem tanto. Mas sente-se uma aura de boas intenções, tanto que a gente até releva as más tentativas. Tomei um sorvete de creme com compota de caju que nunca me esqueci.
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a travessia do rio jequitinhonha entre Belmonte e Canavieiras - um passeio clássico (foto de Giampi) |
Em 2011 fizemos uma votação para o destino da semana de viagem nas férias e as crianças venceram: todas as quatro escolheram voltar. E a experiência foi diferente: eu tinha sido aprovado no concurso da USP realizado no meio de ano (dobrei minha altivez, atendi a um pedido muito especial de um querido aluno, me inscrevi e prestei de novo). Estava saindo da Rio Branco orgulhoso do trabalho realizado em quase 10 anos de carreira. Santo André me recebeu de novo com a mesma serenidade. Desta vez alugamos um carro, fomos até Belmonte ver aonde o asfalto da estrada nos levaria: descobrimos, 50 quilômetros à frente, as margens do Jequitinhonha, seu encontro com o mar e uma cidade com resquícios de seu esplendor cacaueiro com arquitetura peculiar, colonial que, se agora está meio desamparada, ainda guarda os traços de sua imponência.
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final de tarde macio, na ponta de santo andré |
Naquele dia, voltando de Belmonte, paramos na barraca da Maria Nilza, na maravilhosa praia do Guaiú e apreciamos uma moqueca temperada pela brisa do mar e pela simplicidade de um lugar sem energia elétrica nem água encanada, no qual se toma banho de canequinha. Pronto, fomos conquistados de vez. O único estresse de toda a viagem foi que perdemos nossa máquina fotográfica, com o registro visual de todas estas lembranças.
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Em 2012 a família começou a decidir o destino da semana do verão a que temos direito. Debatemos muito com certo consenso de que voltar a Santo André estava fora das cogitações. Mas aí debatemos e debatemos mais. E voltamos pela terceira vez seguida, porque, seguindo uma lógica muito própria, “tínhamos que tirar as fotos de novo”. Ao nos registrarmos na recepção do hotel, o rapaz perguntou: “vocês não estiveram aqui antes?”. Terceira vez.
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subir o rio joão de tiba de barco: um passeio imperdível |
Então fomos descobrindo novas coisas: o grande peixe de madeira à beira do rio, que serve de instrumento musical, à disposição de quem quiser tocá-lo. A praia das Tartarugas, com seus recifes, que se torna piscina no final da tarde. A linda vista do morro de Santo Antonio. Os doces de dona Pombinha lá em Belmonte, incluindo uma maravilhosa bala de mamão caramelizado. E reafirmamos velhas coisas: a paz de espírito que há quando nos afastamos da metrópole, a felicidade de ver os filhos 2 anos mais velhos, mudando de fundura na piscina.
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o xilopeixe da praia (foto do IASA) |
Um dia fomos de carro até o Eco Parque em Arraial d’Ajuda, uns 50 quilômetros e duas balsas ao sul. Na volta para o hotel eu disse para minha mulher: “sinto uma coisa mágica ao atravessar este rio”. Sempre reencontro com afeto essa minha grande São Paulo, da qual sou célula e cimento. Mas admito que minhas estadias nesse vilarejo minúsculo, perdido no meio do sol, à beira do rio João de Tiba, me deixam com caraminholas na cabeça. Fico pensando em como seria construir a vida de forma diferente. Que isso é meio maluco, mas que é possível. Dessa vez até perguntamos o preço de uma casa lá. Sei, sei, é poesia destrambelhada. Muito mais barato e inteligente pagar as diárias no resort. Mas que é muito bom poder deixar a cabeça flutuar um pouco, feito passarinho sem medo, isso é.
Axé.”
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o cinema sob as estrelas acontece o ano todo, sempre às sextas-feiras, no restaurante Casapraia (foto de Silvia Helena Cardoso) |