quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Aqui ninguém vai pro céu

Para conseguir a vaga, chegaram cedo à escola municipal de um bairro triste da periferia de São Paulo; a mãe e o filho de 14 anos.  Naquele ano, 1981, seu nome ainda era Kléber. Na horinha precisa da entrevista com a secretária, o garoto, numa cartada ousada, deu um cavalo-de-pau na conversa.... e na vida dele, e na vida da mãe...
“Pelamordedeus, consegue também uma vaga pra minha mãe? Ela não pode estudar quando era criança; aprendeu a ler sozinha;  e agora tem 5 filhos...”
A mãe e a secretária quedaram boquiabertas: um caso inusitado; foi preciso consultar o Conselho de Administração Escolar.
Conseguiram: fizeram as matrículas; terminaram o colegial juntos.
À época”, recorda Maria, “selei um acordo com o Klebinho. Abandonaríamos os papéis de mãe e filho na escola para virar exclusivamente colegas. O que ocorresse ali não deveria chegar à seara doméstica, e vice-versa. Certa ocasião, Kleber colocou os pés na carteira em que se sentava. O professor, irritado, me pediu para adverti-lo. Rebati de imediato: ‘O senhor cometeu um erro. Não sou mãe nesta sala’.
Maria pegou gosto pelos livros; tem dois diplomas de faculdade; fez pós-graduação em semiótica; estudou língua e literatura;  é professora e fundadora de uma ONG na zona cinza de São Paulo. A instituição que dirige promove rodas de poesia, feiras de sustentabilidade e, algo incomum na periferia – um café filosófico cujos freqüentadores há dois meses analisam “A Ordem do Discurso”, o célebre livro do francês Michel Foucault,


Quanto ao Kléber...  Criolo Doido foi o nome artístico escolhido pra  carreira de cantor após descobrir a musicalidade e o ritmo das palavras ouvindo um colega soltar os cachorros na sala de aula porque não ia passar de ano.  Seu primeiro disco, de rapper, não despertou tanta atenção quanto o elogiado “Nó na Orelha” cuja faixa “Não existe amor em SP”  bombou...
Hoje ele é Criolo – pseudônimo que invadiu as redes sociais e os cadernos de cultura dos principais jornais brasileiros. Criolo faz parte desta jovem geração corajosa que está revigorando a música brasileira. A geração sem rótulos, sem fronteiras entre tendências musicais, sem preconceitos estéticos... São alquimistas... tocam cantam e dançam em qualquer tom de xote, jazz,  bolero, rock,  rap,  samba, pop (pop de boa qualidade, nada de “música de elevador”), afrobeat, arranjos à base de violinos, a sanfona do Janeci...

Mãe e Filho – o Doido e a Doida

Criolo comentando o período escolar... (“maravilhoso”, segundo ele)
“Havia uma galera no colégio que me zoava: ‘Terror, hein, mano? Encarar a mãe na mesma classe...’
Terror? Eu achava da hora! A presença dela não me oprimia. Pelo contrário, me reconfortava. Era motivo de orgulho também. Imagine: uma cearense arretada, quarentona, batalhando para superar as deficiências do passado... O convívio escolar me ensinou a respeitá-la de verdade, independentemente da hierarquia familiar.”
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Doido e Doida porquê?
“Escolhi o pseudônimo Criolo porque tenho um pai negro, lindo”, explica o cantor. “Já o Doido deriva de minha mãe e não desse meu jeito atrapalhado. Sou filho da Doida, né? Somente um louco poderia topar os desafios incríveis que dona Maria topou. Ela é tão doida, mas tão doida, que, com o tempo, julguei melhor abrir mão do adjetivo. Não o mereço.”
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História familiar real. Fonte: Revista Bravo. O verso "aqui ninguém vai pro céu" é da música "Não existe amor em SP"

Um comentário:

m.Jo. disse...

Não conheço as outras faixas, mas o "Não existe amor em São Paulo" é ótimo! Uma vez puxei um link no FB.
Essa história também é.