quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Travessia de Belmonte para a Ilha do Peso ou Canavieiras

Belmonte, um antigo centro comercial cacaueiro, é a única cidade de verdade na curta faixa costeira que se estende entre as desembocaduras dos rios João de Tiba e do Jequitinhonha. Lá tem Banco do Brasil, prefeitura, correio, praças, casarões coloniais preservados e outros ligeiramente ou estupidamente decadentes. Esta semana nos deslocamos até lá  dispostos a fazer a travessia do estuário embarcados na lancha voadeira do piloto Davi, contratado com antecedência. Partimos deste cais, nós quatro e o Enrique Vila-Matas, um escritor que admiro. Só descobri que o Enrique estava conosco após o passeio, quando li este trecho de seu livro A viagem vertical. "Começou a dissertar sobre a palavra travessia, e disse que a peregrinação, a passagem e a navegação eram formas diversas de exprimir o mesmo: o avanço de um estado natural para um estado de consciência por meio de uma etapa em que a travessia simbolizava justamente o esforço de superação e a consciência que o acompanha".
No cais, após o desenredo da tarefa de carregar as mochilas e o isopor com as bebidas, a maionese, o frango assado, a farofa e as frutas para o interior da lancha,  houve um momento de encantamento do grupo com a conversa desembaraçada da garotinha de tranças enroladas em cordões coloridos que observava o pai trabalhar numa segunda lancha ancorada nos degraus do cais à espera de seus próprios passageiros. É um típico passeio aqui da região e hora mais que precisa para colocarmos os pés na Ilha do Peso.
Eu ia dizer que a Ilha do Peso é perto, a gente começa a avistar uma de suas extremidades já na saída de Belmonte, só que o Enrique me apresentou um personagem seu, um tal Silveira, professor dos Açores, que me fez mudar de opinião: passei a achar a Ilha do Peso, ou qualquer ilha, como um local bem distante. Porque ele me lembrou do mito das Ilhas Afortunadas, as míticas ilhas da tradição clássica, tidas pelos gregos e outros povos da Antiguidade como locais de repouso para os heróis e os deuses -- paraísos, em suma. Geograficamente, elas foram identificadas com as Ilhas Canárias pelos navegadores fenícios, gregos e romanos que se encantavam com a beleza destas ilhas vulcânicas, exotismo vegetal e clima balsâmico. Imagino que deviam fundear por lá quando faziam as travessias do Mar Mediterrâneo em direção à costa atlântica africana. Simbolicamente, Fernando Pessoa fala delas (em Mensagem) como mito e símbolo de locais fora do espaço e do tempo. 
O pássaro, esta garça branca,  apareceu em nosso trajeto. Ela também está fora do lugar
...
"A espantosa grandeza do mito das Ilhas Afortunadas, continuou o professor, é que atravessa trinta séculos de história e cultura. Isto se explica pelo eterno sonho humano de vencer as doenças e a morte e ao mesmo tempo pelo temor do além. O homem nunca desejou um paraíso fora da terra e cujo tipo de bem-aventurança não conseguisse imaginar. Sempre estive convencido, de forma mais ou menos consciente, de que o Paraíso poderia estar na terra, se fosse possível viver em algum lugar sem os aspectos tristes e dolorosos da existência."
Começamos o nosso percurso fluvial entrando por este igarapé que começa como riacho e lá pra frente, penso, vira o Rio Passuí. Estranhei o gado estar tão magrinho  já que temos tido chuvas regulares e pastagem verdejante. 
As árvores estavam carregadas de frutas, como este jenipapeiro de cujo fruto é feito uma bebida bastante popular no Norte e Nordeste brasileiros -- o licor de jenipapo.  
"Pescamos" alguns cajás que boiavam na água do rio: deliciosos!
De vez em quando uma casa e um olhar, no lado do continente
A serenidade do passeio só era quebrada por um solavanco eventual causado pelo choque do leme com o leito do rio; a maré ainda estava baixa.
os ninhos de pássaros (japus) despencando dos galhos
passear de barco em belos rios, definitivamente é um dos meus programas prediletos...  cada curva uma festa repousante para os olhos...

5 comentários:

Bóia Paulista disse...

Olá!

seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem. Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com

Até mais,
Bóia Paulista

olimpia disse...

Olá Bóia Paulista

que nome engraçado...rssr
sim, vi o post do redefurada linkado no "viajenaviagem" do Ricardo Freire.
Uma honra.
Obrigada,
olimpia

João Vitor Santos Santana / Edson Canal Girardi / Alcidea Minete / Evandro Falchetto disse...

Tem como atravessar de carro até canavieiras. Digo, existe balsa tal qual de cabrália para belmonte?

olimpia disse...

OI, João Vitor!
Sinto não ter respondido sua pergunta em tempo hábil. O blog está desativado, passo pouco por aqui.
De qualquer maneira, caso alguém ainda queira saber, informo: não há balsa de Belmonte para Canavieiras, não dá para ir de carro a partir de Belmonte. Só dá para ir de barco, é preciso alugar com os locais de Belmonte.
De carro, é preciso ir pela BR-101, ela passa em cima do Rio Jequitinhonha. Precisa ir até a cidade de Itapebi, é lá perto.

olimpia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.