quarta-feira, 14 de março de 2012

O primeiro ano do resto das nossas vidas


"O primeiro ano do resto das nossas vidas", de Joel Schumacher
A caminho de Paraty, no trecho particularmente sinuoso e estreito da rodovia que serpenteia pela Serra do Mar, Mônica recordou com sobressalto do título deste filme, da década de 80.  Na película, sete amigos recém-formados se deparam com a angústia de decidir o que fazer da vida agora que o diploma está na mão; e com a urgência de aprender a lidar com a insegurança profissional e emocional desta nova etapa da existência.  Na vida real, o carrinho vermelho-Ferrari um-ponto-zero avançava na estrada  levando a bordo quatro viventes de gerações diferentes: dois jovens universitários que concluirão os cursos em futuro próximo e um casal maduro. Aposentados, casados, residentes e domiciliados na praia de Santo André da Bahia, Eduardo e Mônica neste momento se sentiam de certo modo adolescente, com decisão importante pela frente – ficar no povoado baiano onde a vida está bem estruturada, com casa, amigos e raízes já firmes, ou dar mais uma guinada e começar de novo em outra cidade?
ilustração do blog "Dedos Cruzados"

Bateram na porta de quatro pousadas antes de encontrar vagas para os corpos, as malas e o automóvel. Finalmente, um simpático velhinho de olhos claros e andar vagaroso abriu um enorme portão de madeira azul-turquesa que dava para um tipo de estacionamento pequeno e agradável -- um pátio gramado onde jabuticabas e acerolas amadurecem devagar.  No domingo os jovens voltaram para São Paulo, enquanto Eduardo e Mônica permaneceram para tratar de tarefa complexa – achar uma casa para alugar pelo prazo de um ano, o tempo que estipularam para descobrir se gostarão de viver em Paraty, se acharão um terreno para comprar que caiba no bolso e no gosto deles, e se terão fôlego para construir mais uma casa para morar. A princípio, não tiveram sorte: telefonaram para as imobiliárias, percorreram os bairros da cidade à procura de cartazes com os dizeres “Aluga-se esta residência, de preferência para pessoas oriundas da Bahia”, indagaram os moradores, os garis e trabalhadores de rua... Nada.  A preferência nítida dos proprietários dos imóveis é o  aluguel  por temporada. 
"O pescador" - quadro de Tarsila do Amaral, lembra a paisagem de Paraty (montanhas, palmeiras imperiais, o caiçara...)
Neste ínterim, Mônica marcara encontro com uma pessoa amiga que conhecera em Santo André e que gentilmente se dispusera a visitá-los na pousada. Por uma destas portas que se abrem inexplicavelmente, foram dar na casa do irmão dela com o intuito de conhecer as acomodações que ele aluga no fundo de seu terreno: quarto com cama de casal, banheiro ao lado e uma pequenina cozinha.    Conversa vai, conversa vem, surgiu uma proposta inesperada – querem alugar a casa toda, posso morar um ano com minha mãe... 

Quando Eduardo e Mônica deram por si estavam com o contrato de locação na mão, assinado e passado em cartório, com início em 15 de abril e término no mesmo dia do ano que vem.  O imóvel que alugaram é uma casa com poucos cômodos e muitas cômodas  e quadros espalhados em seu interior; obras do proprietário, doublê de marceneiro e artista plástico. O quarto principal tem várias camas distribuídas por um aposento razoavelmente grande, porém sem divisórias. Uma parte bonita é o horizonte que se descortina das janelas do andar de cima, abertas para as  montanhas altaneiras e para a mata deslumbrante que cercam a cidade. Gostaram da rua quieta, sem saída para carros, da existência de uma área verde, um quintal. É verdade que a casa é pequena, se comparada com a casa da Bahia... talvez a metade... Como consolo para o "apertamento", o casal lembrou que  diversas correntes espiritualistas pregam que o bem-estar humano é decorrência do desprendimento, Eduardo e Mônica torcem com fervor para que a máxima se prove verdadeira.
a casa nossa do futuro abril

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