foto de Geno Riva |
Solange empurrou o vidro da porta giratória do Banco do Brasil lamentando as notas de tédio amarfanhadas na bolsa amarela. Caminhou devagar pela alameda movimentada, procurando decifrar as mini-narrativas escritas nas faces das pessoas, nas fachadas dos prédios, nos artigos das lojas, no improvável beco, no tipo de lixo jogado ao lado da calçada. Uma coisa é a realidade, outra, muito diferente, é a percepção da realidade. Só parou de caminhar uns quarenta minutos depois quando avistou a banca de revistas onde compra os filmes semi-clandestinos. Uma chuva fina começara a cair. Achou abrigo no apartamento de amigas que moram na vizinhança.
Olhou com prazer as fotos da montagem da exposição dos Gêmeos, em Vitória, imagens de obras de sonhos coloridos e desenhos deliciosamente lunáticos, tudo disponível no iphone em cima da mesa. Dois minutos depois de saírem do prédio de apartamentos, Solange e sua amiga encontravam-se debaixo de um aguaceiro. A única proteção era o frágil guarda-chuva cor-de-rosa.
-- Leve com você...
Solange agradeceu – se despediram na estação de metrô do parque Trianon – ela ainda olhou por uns instantes carinhosos o guarda-chuva rosa se afastando. Entrou na linha verde, telefonou para casa para avisar que estava chegando. Quando emergiu na Vila Mariana a chuva ficara cerrada. Seguro que as roupas ensopariam no percurso até a casa. Foi então que no meio daquele cinza-chuva surgiu uma figura nitidamente reconhecível, um Fred Astaire particular. Vinha trazendo dois guarda-chuvas, ambos pretos, um aberto -- outro fechado.
Cantaram na chuva em silêncio.
Cantaram na chuva em silêncio.
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