sábado, 18 de maio de 2013

cenas de um casamento



Colocou o telefone no gancho levemente aturdida com a notícia da chegada de Cecília e seus dois filhos a Brasília em menos  de uma semana. Aquele fora um telefonema inesperado vindo de uma amiga paulistana com quem não falava há pelo menos treze anos. No início, quando saíra de São Paulo para morar em Brasília, ainda trocavam telefonemas, cartas, cartões-postais.  Certa vez, quando fora participar de um seminário bancário em São Paulo, Cecília a convidara para jantar no amplo apartamento que dividia com o marido e as duas crianças no bairro do Morumbi, muito bem postado no vigésimo piso, o mais alto do prédio. Casara com um engenheiro que era ao mesmo tempo professor, administrador e proprietário de um curso de preparação para o vestibular, de notório sucesso no meio estudantil.  Tinha de particular a pretensão de se tornar senador da república.  Era o que Juliana lembrava daquela noite, alternado com o abraço caloroso de Cecília, a  memória da bela foto da festa de casamento no móvel baixo do hall de entrada,  e o brilho irregular das luzes da  cidades penetrando na sala de jantar através das amplas vidraças descortinadas.


Foram se afastando por inércia mútua até o esfriamento, o contato minguado do feliz ano novo ou aniversários.   Há pouco, no telefone, a voz de Cecília adquirira um desconcertante tom de mistério e opacidade dando margem à soltura da imaginação.  Explicaria tudo quando chegasse à Brasília, prometera Cecília.  Nenhuma fantasia engendrada pela mente de Juliana foi tão surpreendente quanto os fatos que efetivamente tiveram lugar na vida de Cecília nos últimos dias.  Depois de doze anos de casamento com o professor candidato a senador, ela descobrira por acaso que ele tinha outra mulher, com quem estava legalmente casado e tivera um trio de filhos, todos morando na mesma cidade de São Paulo. O trabalho de engenheiro de obras rodoviárias o levava com regularidade para fora da cidade: o álibi ideal.   Precisava viajar para trabalhar e assim conseguia conviver com as duas famílias, sem muito atropelo. Um bígamo, portador de documentos falsificados, duas certidões de casamento emitidas por cartórios diferentes.   O acaso foi cúmplice da revelação dolorosa: Cecília e o professor queriam vender o apartamento para comprar uma casa no mesmo bairro. Acabaram desistindo, por isto Cecília ficou boquiaberta quando um corretor imobiliário lhe telefonou para  pedir-lhe que enviasse  os documentos necessários para a assinatura da escritura da tal casa.  Na realidade, o professor acabou comprando a casa para morar com a outra esposa e os outros filhos.  Tivera o cinismo de levar ambas para ver o mesmo imóvel. Quem se atrapalhou, foi o vendedor. 
tela de edward hopper
 A vingança de Cecília foi engenhosa. Não falou nada em casa. Quando o engenheiro saiu para trabalhar ela deu partida ao plano de escape que planejara cuidadosamente. Veio o caminhão da companhia de mudanças e levou tudo, absolutamente tudo da moradia, até mesmo as luminárias, os espelhos e os interruptores de luz das paredes –  os fios para energia e telefone foram deixados à mostra, como em construção inacabada.  Imagine a cara do futuro senador ao chegar em casa naquela noite. Abriu a porta e deu de cara com o vazio.  Ela comprou as passagens para Brasília na surdina,  fez as malas com bastante roupa e o restante foi para o depósito, junto com a mobília.  Em prédio que só tem um apartamento por andar o nível de vigilância da vizinhança é mínimo – nem os porteiros se deram conta da fuga da mulher do vigésimo.  O marido, desesperado, chamou a polícia. O caso levou uns dias para ser resolvido: a polícia acabou chegando à casa de Juliana no Distrito Federal.

Quando isso aconteceu, Cecília já tomara outro avião.
fotografia Édouard Boubad

domingo, 5 de maio de 2013

diário de um navegante -- em Santo André da Bahia

(foto de Fernando Oliveira)
Este relato é feito sob medida para os que percorrem caminhos de maneira aventureira, como os navegadores dos mares e grandes rios.   É o depoimento de um velejador que aportou e gostou do povoado de Santo André (há outro relato dele alguns posts abaixo).   O escrevente se chama Nelson Mattos e o veleiro em que se desloca pela costa brasileira traz o nome de  "Avoante".  Obrigada ao Nelson, pela contribuição às "histórias de Santo André".

--------------------------------------
"Navegando e aprendendo, assim vamos tocando uma vidinha mais ou menos. Falei aqui recentemente da nossa ida até Santo André, Sul da Bahia, um lugar maravilhoso que valeu a vontade de ancorar uns dias por lá. Queríamos passar uns dias a mais para saber fatos e segredos que sabia existir entocados entre o mangue, mar, rio e mata que cercam o canal de acesso da Vila Um dia eu volto! Todo esse moído é para contar de um email que veio lá daquelas belezuras paradisíacas, assinado pelo leitor Fernando Oliveira, que também mandou as fotos que ilustram esse post, e falando, entre outras coisas, das pisadas dos alemães naquelas areias no tempo da Segunda Guerra Mundial. Não sou capaz de discutir 15 minutos sobre a Segunda Guerra, a não ser os segundos de fama da minha cidade Natal. Tentei saber pelo  Google sobre Santo André no tempo da Guerra, mas não consegui nada. Com certeza deve estar lá, em algum lugar.  O que me chamou atenção no email do Fernando foi a informação que a Vila de Santo André serviu de base para os ferozes alemães. Fiquei imaginando, sentado no cockpit do Avoante, o que danado os caras estavam fazendo em Santo André. Tinham bom gosto para paisagens paradisíacas e admiravam um gostoso banho de mar antes de sair para afundar algum navio pela costa. Por tudo isso é que tenho que demorar nos lugares, pois sou um apaixonado pela história, apesar de nunca ter sido um aluno que os professores adoravam. Até hoje lembro de minha professora de história no colégio Marista de Natal, olhando para mim e perguntando: Nelson, em que você está pensando que não presta atenção na aula?
(foto: olimpia calmon)
Mas Santo André/BA, cercado de tanta maravilha natural, tinha mesmo que ter seus segredos entocados. Tomara que ainda demore muitos anos para nós chegarmos a eles.
Esta praia baiana tem se destacado na pesca de oceano e um bem organizado campeonato faz parte de suas atrações, chamando a atenção de pescadores de todos os cantos do Brasil. Em Dezembro de 2013, vai haver mais uma edição do Campeonato de Pesca do Marlim e se você é adepto dessa modalidade, é bom se programar para não ficar sem assunto."