terça-feira, 24 de julho de 2012

andar na rua em são paulo


"Os gêmeos"
Saiu para comprar café na padaria da esquina quando deu de cara com um pequeno aglomerado de pessoas de pescoços esticados para o céu. Acompanhavam com os olhos a trajetória de queda de um balão preto desgovernado. Dois rapazes subiram correndo a ladeira da Rua Dona Avelina; ao passar pelo grupo jogaram o porteiro magricela do prédio  verde contra o portão do edifício.  Um automóvel branco passou zunindo, vindo da rua transversal. O motorista ensandecido cuidava do volante só com uma mão – a outra segurava um revólver. O passageiro do banco da frente também empunhava uma arma de fogo e tinha metade do corpo para fora do carro.  A dupla pedestre retrocedeu com medo das balas: o balão-troféu foi enfiado no banco de trás do veículo.  
Foi-lhe explicado pelos demais que a cena não é rara – os balões são motivo de disputa entre grupos rivais da periferia paulistana. Acompanham o balão até o local da queda. Quem chegar primeiro...  Momentos depois perceberam que outro balão vinha caindo lentamente nas proximidades.
Voltou pra casa sem café, sem pão e sem balão.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

álbum de fotografias

Avenida Paulista
"Não sou Ninguém! Quem és tu?
Tu és - Ninguém - Também?
Então somos um par?"
(Emily Dickson, poeta americana)
Corpos presentes - CCBB

diálogo mudo
definições do Aurélio: levar o cano = mau negócio

sessão livro de cabeceira, último dia da FLIP
o espanhol Vila-Matas leu um poema
de Álvaro de Campos
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"Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco"
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a estrada de Sintra não passa pelo Chile
o carro não era um chevrolet
nem esta pessoa se chama Fernando
(é tudo mentira)

sábado, 14 de julho de 2012

Olympia, de Edouard Manet

 Texto do cineasta Cacá Diegues, publicada no jornal "O Globo", em 2010 
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 "Em 1865, o quadro "Olympia", do pintor Edouard Manet, pai do impressionismo, foi recusado pelo Salão de Belas Artes de Paris. Exposto então no Salão dos Recusados, "Olympia" provocou escândalo sem precedentes. O quadro retratava uma mulher nua deitada na cama, enquanto uma criada negra lhe traz flores e um gato preto, aos pés da moça, nos encara do canto direito da tela. Além de mal pintado, um borrão de cores, atentado à boa pintura de uma época neoclássica, paródica e acadêmica, "Olympia" foi acusado também de indecente e pornográfico. Jornalistas e escritores zombavam de Manet, professores e estudantes de Belas Artes indignavam-se com ele, mães de família em passeatas cobriam o quadro para que não fosse visto. Paris inteira linchava "Olympia".
Somente o escritor e jornalista Émile Zola ousou defender publicamente o pintor e sua obra. Num artigo em que anunciava o nascimento de uma nova arte e de uma nova moral na produção artística francesa, Zola só lamentava a presença do gato preto no canto da tela que, segundo ele, servia apenas como ornamento desnecessário, elemento de distração no rigor poético da composição. Diante do clamor geral, o diretor de seu jornal exigiu que Zola se retratasse e, como o escritor se recusasse a fazê-lo, foi despedido e viu as portas de todos os jornais franceses se fecharem para ele. Manet, como agradecimento por seu gesto, pintou-lhe então um retrato que se encontra exposto no Museu d"Orsay, ao lado do "Olympia".

 Nesse quadro, Zola está a escrever, cercado de livros e, na parede do cômodo, o pintor reproduziu o "Olympia", sem o gato preto no canto da tela."

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O valor dos livros

"O filósofo lendo" tela de Jean-Baptiste Chardin, 1734
Em tempos de FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, a leitura, as palestras, os colóquios e debates têm preenchido meu tempo completamente. Para comentar esta atividade tão gostosa e enriquecedora -- a leitura -- trouxe para cá este artigo escrito por um professor de literatura (blog "O magriço cibernético) onde ele comenta este quadro de Chardin.
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"O primeiro elemento que deve merecer destaque é a roupa do leitor. É importante notar que ele usa uma vestimenta formal, como se tomasse parte de um cerimonial, de um culto. Tanto que porta um chapéu, o que transmite, no contexto, um ar sagrado ao ato que está realizando. Reforça ainda essa atmosfera solene a expressão compenetrada da personagem, o seu alheamento em relação ao que a cerca, além do silêncio que domina o ambiente. Todos esses ingredientes nos ensinam que a leitura é um ato sério, de concentração quase sagrada, pois só assim alcançará eficiência. Infelizmente, são elementos que estão se tornando raros nas gerações atuais, extremamente dispersas e desfocadas. Dominar essas habilidades, portanto, garante uma enorme vantagem diante da mediocridade que impera o pensamento atual.
O segundo elemento importante é a ampulheta, no canto inferior esquerdo do quadro. Ela instala um interessante e poderoso paradoxo. A começar, esse instrumento, que representa a brevidade do tempo humano, se for deitado, vai lembrar o símbolo do infinito. Efemeridade e perenidade em um mesmo objeto. A conjunção dessas qualidades opostas coloca em foco grandes questões ligadas à leitura. A primeira é a de que o tempo que escorre, o qual marca tanto o fluir da vida do leitor quanto o da leitura, evoca a grande e prazerosa angústia do intelectual – a incompatibilidade entre o tanto que se quer ler e o pouco de tempo que se tem de vida para isso.
Outro ponto interessante nesse aspecto temporal é o diálogo entre eterno e passageiro na relação entre o leitor e a leitura. O homem tem uma existência breve, ainda mais quando comparado com a duração das ideias que são veiculadas por um livro. Entretanto, é esse bicho da terra tão pequeno e efêmero que, por meio da degustação de um texto, acaba dando eternidade ao que está em uma publicação. Em suma, esta é superior ao homem, pois o supera em durabilidade; entretanto, essa superioridade só é possível pelo fato de existir alguém, ainda que fugaz, que leia esse volume.
Por fim, o terceiro elemento que merece destaque é o bico de pena que se encontra ao lado da ampulheta. Ele revela que o leitor não assume uma postura passiva de mero receptáculo do que é apresentando pelo livro. Muito ao contrário disso, sua atitude é ativa, pois demonstra uma disposição a fazer anotações, a concordar, a discordar, a resumir, a acrescentar. Ratifica o postulado de que um intelectual lê escrevendo. A verdadeira leitura se faz com escrita. Quem lê bem escreve bem. Quem escreve bem lê bem. Impossível admitir o contrário.
A aceitação de todos esses elementos expostos aqui – nunca é demais repetir – é condição essencial para que a leitura se realize de maneira eficaz, contribuindo para o desenvolvimento do homem em sua plenitude cognitiva e afetiva."