quarta-feira, 15 de julho de 2015

Viver em Paraty

Ontem de manhã um impulso misterioso me fez sentar no banco do motorista para sair da Vila Mariana de São Paulo até Paraty. Combinei com meu – surpreso -- marido que seguiria dirigindo até o Frango Assado, um posto de serviços perto de São José dos Campos onde pretendíamos almoçar. Sentia uma urgência irrefreável de combater dois bloqueios: o de dirigir na pauliceia e o dirigir na estrada. Uma chuva fina caía sem pressa. Não tive medo. Concentrei-me no trânsito e logo estava na Avenida 23 de Maio a caminho de Guarulhos.
Cadê o limpador do para-brisa? O farol de neblina? O botão para girar o espelho retrovisor? Meu marido explicava o painel de controle: esquisito vê-lo como passageiro depois de milhares de quilômetros rodados sempre com ele ao volante. Décadas de estrada onde minhas tarefas consistiam em olhar os mapas -- quando a gente ainda usava mapas -- ou descascar frutas, contar as moedas para o pedágio, tagarelar, guardar o lixo, procurar hotel, essas coisas.
Paguei o primeiro pedágio de minha vida em Itaquaquecetuba, na Rodovia Carvalho Pinto. Era uma cobradora gordinha, de batom rosado, a gente se cumprimentou com bons dias. Estiquei o braço com as moedas na mão pensando se a itaquaquecetubana estaria vestida com um moletom velho da cintura para baixo ou sem sapatos, pequenas liberdades a que se pode dar no aperto daquela cápsula.
A melhor parte foi ouvir o elogio do companheiro – vindo de um motorista que dirigiu sozinho e sem nenhum incidente cerca de 16.500 kms numa só viagem pela Patagônia profunda. Ele me corrigiu umas duas vezes, mas disse que se sentiu seguro comigo na direção: e que agora temos dois motoristas em casa, uma efetiva e um suplente.