quinta-feira, 28 de agosto de 2014

troca de senha

“Alguém tentou acessar sua conta do Gmail dez minutos atrás. Se você não está em Wisconsin, troque sua senha agora.”
Fiquei imóvel, olhando para as palavras na tela até que achei por bem obedecer às instruções: troquei a senha e saí da sala para contar o episódio para meu marido. Ele estava quieto, olhando fixo para o computador dele. Mostrou-me uma mensagem semelhante. A tentativa de invasão no computador dele viera de Delaware, outro estado americano. O mais surpreendente veio depois. A cada 20 minutos chegava uma nova mensagem do Google dizendo a mesma coisa, só mudava o local de origem dos invasores.
Metade do mundo americano querendo ler nossas cartinhas!
Como avisar que estavam cometendo um engano terrível, que somos apenas dois insignificantes viventes? Trocamos as senhas, uma segunda e uma terceira vez. Aquele fenômeno devia ser orientado por um programa de computador, o bombardeio era regular e preciso. Finalmente nos empenhamos em colocar umas senhas complicadíssimas, com dez dígitos, incluindo números, letras e símbolos gráficos.
O ataque parou.
O problema agora é que não conseguimos lembrar as novas senhas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Casa Literária do Sesc Ipiranga




Enquanto a reforma do SESC Ipiranga prossegue, a alternativa encontrada para a ocupação artística é um casarão na Rua Bom Pastor, 709. A casa é uma deliciosa extravagância para ser percorrida do jardim ao quintal, com parada para chá e bolo na cozinha e passeios voyeristicos pela intimidade de quartos e banheiros.
Num dos quartos, a escritora Andrea Del Fuego faz uma narrativa inédita espalhada pelos móveis.

A ideia do projeto é propor atividades que despertem o imaginário gerado pela representação de uma casa enquanto o local da intimidade e da memória. “Nos quartinhos, nas passagens, nos cofres, nas fendas e nos armários é onde se desenha o íntimo dos seus habitantes e, com isso, revelamos sentimentos e lembranças”, diz a coordenadora do projeto, Roberta Lobo.
os batons e perfumes na narrativa de Andrea
 Na perambulação pelos dois andares da casa, parei para ler folhas soltas do livro do filósofo francês Gaston Bachelard: para ele, a casa é o nosso canto no mundo. “Se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz”, escreve em A poética do espaço, de 1957.
Não sei se a Casa Literária será temporária, talvez só dure o tempo da reforma. Vale a pena mantê-la, foi um passeio cultural dos mais interessantes.
uma banheira dramática 
o galpão readaptado com pallets de madeira, é palco para apresentações cênicas
A junção de três salas deu lugar ao salão de visitas, um espaço de experimentação e apresentações de dança e teatro              


   

sábado, 2 de agosto de 2014

Pai e filho

O menino saltava, o menino ria, o menino não parava quieto. Aquele rostinho risonho de olhos oblíquos não teria mais que quatro anos. Um adulto tratava de segurá-lo, enlaçando-o na altura da cintura com uma das mãos.
O homem e o pequeno vestiam calças jeans e camisetas de malha de algodão, uma azul, outra estampada; um calçava tênis pretos, o outro, botina encarnada. Pai e filho, mesmo com
traços faciais diferentes? Possivelmente: o amor era visível. Os olhinhos puxados do garoto poderiam vir de uma mãe oriental. A exuberância infantil atraía o olhar dos passageiros naquela linha de transporte público da cidade de São Paulo. Além das movimentadas piruetas, o pequerrucho emitia gritinhos vibrantes a cada par de minutos.
O trem solto nos trilhos e a animação do menino me estimularam a fazer um comentário:
- Como seu filho é entusiasmado!

Uma sombra súbita nublou o rosto do homem, nem respondeu. Intrigada, olhei melhor para o guri. Oh... os olhos amendoados, o comportamento impulsivo, os dedos curtos... a ficha caiu.
Creio que o pequeno tinha a síndrome de Down.
(Ó céus...por que não me calo?)