segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os dois irmãos do Oficina


José Celso Martinez Correa e o Teatro Oficina são ícones do teatro brasileiro. Naquele espaço singular, vi peças antológicas como “O Rei da Vela” e “O Balcão”. Agora, na comemoração dos 50 anos do teatro fomos ver a adaptação de “Os Bandidos, de Friedrich Schiller, que conta uma história parecida com a que o grupo Oficina vive atualmente, já que o conflito entre os dois irmãos de Schiller também pode ser visto como uma analogia ao embate que o diretor vive com o empresário Sílvio Santos.

Decorrida meia hora da peça eu estava de queixo caído. Nada funcionava: o texto, adaptado em versos ruins e pretensiosos por Martinez Correa era pobre e amalucado, misturando Homero, Shakespeare, Che Guevara, o Papa e o escambau, mas nem sequer eram paródias, e se eram, não eram engraçadas. E olha que tenho o riso fácil. Coitados dos atores!

Drama vivemos Cláudio e eu: a duração do espetáculo é de 5 (cinco!) horas. Queríamos ir embora, mas estávamos conscientes de que Zé Celso gosta de fazer a platéia sentir as mesmas experiências de quem está em cena, isto é, os atores podem tocar em você ou lamber uma parte do seu corpo, e é para entender que tudo faz parte do show. Como não estávamos querendo submeter-nos a tais situações, ficamos distantes do corredor, onde as cenas principais acontecem, esperando, na maior paciência, o primeiro intervalo para irmos embora correndo.

Na saída pegamos um táxi num ponto perto do Minhocão. O moço nos contou que mora ali (no Bexiga) há 17 anos e que já lhe ofereceram ingressos grátis para as peças várias vezes, tendo aceitado por prazer. Menos essa, pois sai todo mundo reclamando.

Dois irmãos no CCBB













Baseada no livro homônimo de Milton Hatoum, a peça “Dois irmãos”, trata do conflito entre os gêmeos Omar e Yaqub, descendentes de libaneses que vivem em Manaus, do começo do século XX até o período da ditadura militar.

A história é narrada sob o ponto de vista de Nael, filho da empregada, que suspeita ser filho de um dos gêmeos. Difícil era encenar as muitas histórias que se entrelaçam em Dois Irmãos os ecos que ressoam nesse romance, soprados de muito longe, de Caim e Abel, ecos da floresta, de ancestrais origens indígenas, da brutalidade da colonização, de vivências ouvidas por avós imigrantes, de conflitos decorrentes da passagem do rural para o urbano.

A obra, considerada por críticos literários o melhor romance brasileiro dos últimos 15 anos, recebeu o prêmio Jabuti 2001. É a primeira vez que o autor tem um de seus romances transposto para o teatro. O palco é o do CCBB – São Paulo.

Quanto à adaptação para as telas, Hatoum cedeu os direitos especificamente para o diretor Luiz Fernando Carvalho, que vai transpor o romance para a TV, mais uma microssérie do projeto Quadrante. "A idéia é adaptar histórias de cada região. Começou com A Pedra do Reino, de Suassuna, o próximo será Dom Casmurro e o meu será o quarto."
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Havia me encantado com o livro por ocasião de seu lançamento; contudo, ouvir a voz dos personagens e vê-los no palco é uma experiência diferente da leitura solitária. Somos conduzidos com delicadeza pela conturbada trajetória dessa família interpretada por um elenco que consegue dar vida aos personagens com a intensidade exigida, sem rompantes ou arroubos. Mesmo assim, o papo aqui em casa entrou pela madrugada.

sábado, 27 de setembro de 2008

Alô Guaiú, Alô Canto da Reg!

Foi com interesse que li a matéria que você enviou do “Vasos Sagrados” (blog da UOL) e compartilho aqui algumas impressões (amadoras, sempre):
Sobre “Linha de Passe”: também achei as personagens esquemáticas, reducionistas. Faltou complexidade, detalhamento, àqueles seres fictícios.

No entanto, o filme me pegou, justamente pela emoção (também pela qualidade técnica): não sei explicar. Fiquei presa à tela, continuamente, e gostei mais desse Salles do que daquele de “Central do Brasil”. A sensação quando saí do cinema (Espaço Unibanco, por ironia) é de que continuava no filme: quase fui atropelada por um moto-boy, esses moços que passam voando, buzinando e que – para mim, também – não têm rostos, e não apenas por causa dos capacetes...

Sobre o parágrafo (abaixo): – eu poderia ter escrito estas linhas! Bergmaniano, sem dúvida: um bisturi adentrando relações familiares. A fotografia é de arte plástica, imagens deslumbrantes.
Muitos planos longos – o do cowboy alemão-mexicano girando com seu carro ao redor da câmera como se fosse um cavalo num rodeio – com a música perfeita: puro deleite.
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(parágrafo do Vasos Sagrados)
“Fui ver “Luz Silenciosa”, um filme quase bergmaniano, quase um documentário e não consegui desgrudar os olhos da tela e fui caminhando tão passo-a-passo com as cenas, que, no último momento, foi fácil e enlevante passar para a magia que é oferecida como culminância.”
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Já tinha visto o filme (olha a beleza do título!), alguns meses atrás, aqui em São Paulo, Cine Sesc. Desta vez achei e comprei o DVD. “Linha de Passe”, ainda não tem para vender.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Pinacoteca de São Paulo


Fui à Estação Pinacoteca e, entre um andar e outro, vi que havia uma exposição recomendada para maiores de 16 (“A Era da divergência: Arte e cultura visual no México 1968 - 1997”). Fiquei curiosa. Era uma mostra de artistas discordantes dos usos tradicionais, dos suportes, das funções históricas da arte, etc (isso já está ficando canônico, não?) e o contexto era a fase do período da revolução estudantil até a década de 1990 quando houve o levante de Chiapas e a crise econômica mexicana.

Não vi quase nada porque logo na entrada tropecei e quase caí em cima de um cadáver enrolado num saco preto e amarrado com cordas grossas e retorcidas. Levei um pito discreto do fiscal da sala, fiquei sem graça e fui embora.
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Por falar em exposições e ousadia, as fotos de celebridades no olhar de Vânia Toledo são ótimas! (WOW! a mulher conhecia todo mundo: Polansky, James Brown, Rita Lee, Caetano, Andy Warhol, Gaultier, Cazuza...) Discípula assumida de Warhol e suas polaróides, Vânia publicou o primeiro livro de nus masculinos no Brasil, andou por festas, entrou em quartos, banheiros e se escondeu nos bastidores clicando momentos inesperados, deliciosos. Bem curiosos os instantâneos de anônimos, principalmente na série do legendário Studio 54 em NY... Tem essa foto de casal, o homem bem vestido abraçando uma mulher pelada, de meias ¾, boá (bois) de penas e ... como dizer... um peculiar apetrecho de borracha (?) em forma de pênis devidamente colocado no único orifício que o ser humano tem (visto de costas).
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Como estou sempre desinformada – moro numa vila desprovida de jornal, de correio, e não curto TV – descubro um pouco das novidades pela internet. Graças a uma mensagem recebida vi que as novas regras ortográficas chegaram e que pingüim e lingüiça não teriam mais trema se o corretor ortográfico não fosse automático. Concordo com o amigo remetente: não tenho mais paciência pra decorar regra gramatical.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Pinto ou não os cabelos brancos?




Ontem mesmo conversava com uma amiga sobre pintar ou não os cabelos brancos e hoje me deparei com este artigo bom e engraçado de Ângela (no blog de Nora Borges)

Inexoravelmente, sempre que vou ao Rio alguma amiga diz:
- Pinte seu cabelo! Mas porque não pinta?
Várias respostas passam pela minha cabeça:- Não pinto pois tenho medo do meu cabelo ficar feio como o seu.
- Sou nobre. Só os burgueses pintam cabelo
- Tenho coisa mais interessante para fazer com meu tempo (como escrever esse blog)
- Resolvi dar uma chance ao meu cabeleireiro que é Deus. Acho que ele fez um bom serviço com as orquídeas.
Dependendo de como o "pedido-ordem" é feito, desenvolvo o assunto. Pergunto por que a pessoa em questão pinta, a resposta sempre tem a ver com a aparência mais jovem.
Mas eu não quero aparentar ter 50 anos! Quero aparentar os meus 53 anos!! ou será que se iludem achando que a tinta as fazem aparentar 18, ou 30 que seja?. O cabelo branco não envelhece, gente! O que envelhece é o tempo!!!
Também rola a questão da aparência desleixada. Mas como sempre fui desleixada, nem te ligo farinha de trigo.
Não sou como as belíssimas Julia Rodrix e Ivana Cury que sempre tiveram cabelos brancos. Tive de me acostumar com eles. Não foi fácil, juro. Mas hoje, sinceramente, acho que combinam muito bem com as minhas rugas. Quando as enxergo, claro, já que preciso de vários óculos para ver o mundo.
Leio um fwd de um texto assinado por Martha Medeiros (por favor, não me mandem mais nada escrito por ela! eu acho tudo ruim e errado! aliás, como sempre há exceção, morri de rir com o texto de dois domingos atrás, arquiteto X pedreiro ) onde ela se exalta por aparentar juventude.
COMO ASSIM?? ela nasceu em 61. Eu achava que ela tinha a minha idade. Podem comparar aí em cima. Então, não há regra mesmo. Vai ver que pessoalmente ela é diferente do que parece na TV e nas fotos.
Podem estranhar mas é verdade: eu não quero não ter rugas, não ter cabelo branco, não ter flacidez ou celulite. Eu não quero emagrecer. Não tenho nenhuma intenção de ser imortal. Não quero ser jovem. Acho, inclusive, que aquela canção "Forever Young" seja mais uma praga do que um bom desejo.*
Eu não tenho um retrato envelhecendo por mim no porão. Gosto das minhas gordurinhas. São simpáticas. Acho engraçadíssimo ter rugas no pescoço. Afinal, eu vi o homem chegar na lua. Eu vivi os anos 70! James Taylor falou comigo e eu fui para Machu Pichu. Usei combinação embaixo do uniforme do colégio. Presenciei e fui contra a obra do calçadão de Copacabana. Discuti se mulher casada devia ou não trabalhar fora. Fumei e parei de fumar.Tive plano de expansão de telefone. Ri dos primeiros celulares. Fiz mestrado e doutorado. Publiquei livros e artigos. Tive dois filhos e um deles já têm cabelos brancos. Casei, descasei e voltei a casar.
Como eu poderia ter vivido tudo isso sem ter cabelo branco já que não sou índia?
Já li tanta coisa! Já vi tantos filmes! Eu estava no Maracanãzinho quando Vandré cantou Pra não dizer que não falei de flores!
E fui fã de Raul.Tenho a exata idade do Rock e isso quer dizer alguma coisa.
Então, faça o que quiser porque é tudo da lei. Quem quiser pintar, pinte! quem não quiser não pinte. Quem gosta de colorir tudo como uma arara, que o faça! Quem quer raspar, raspe! E chega de padrão! E viva a Liberdade!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Marcel Duchamp

Museu de Arte Moderna de São Paulo abre a primeira individual sobre Duchamp na América Latina

Quarenta anos depois da morte de Duchamp, em 2 de outubro de 1968, a mostra propõe uma reflexão sobre a revolução artística promovida por um dos mais controvertidos artistas de seu tempo, precursor de diversos movimentos e procedimentos que viriam a ser assimilados ao longo de todo o século 20 pelas artes visuais. Contestador, Marcel Duchamp usou sua obra para negar a idéia de que a industrialização e a tecnologia seriam responsáveis por uma transformação que levaria a humanidade à evolução e ao desenvolvimento, uma visão quase profética.

Entre as cerca de 120 peças em exibição, figuram marcos cruciais de sua carreira, incluindo “O grande vidro”, nome pelo qual é conhecida “La mariée mise a nu par ses célibataires, même”, obra inédita no Brasil. Essa assemblage, que levou oito anos para ser totalmente construída (de 1915 a 23), ainda hoje suscita estudos por parte dos pesquisadores da obra de Duchamp, em busca de significados ocultos, uma prática comum do artista, que nomeava seus trabalhos com jogos de palavras e os preenchia com referências de humor refinado, menções arquetípicas e psicanalíticas. Nascido em 28 de julho de 1887 na região da Alta Normandia, na França, Marcel Duchamp rompeu com a arte até então realizada com o objetivo de resgatar a autonomia e o valor do artista plástico, refutando a idéia de trabalho artístico que visasse meramente o prazer estético e o deleite visual. Toda sua criação seguiu em busca da resposta à sua pergunta (e que inspirou o título da exposição): “Pode alguém fazer uma obra que não seja uma obra ‘de arte’?”. Por ela compreende-se sua recusa ao conceito de arte de então, cujos critérios a serem seguidos eram predominantemente cor e forma, em detrimento de tema, intenção ou idéia por parte do artista, desconsiderando o pensamento inserido na obra.

Flertando com o cubismo e o futurismo para renegá-los, antecipando os dadaístas e inspirando os surrealistas, com os quais nunca se associou totalmente, legando princípios que resultariam na arte conceitual, na arte pop, no minimalismo, na arte cinética, no Fluxus, nas instalações, Duchamp foi um artista de trajetória ímpar, isolada de regras e cânones dos movimentos estéticos de seu tempo em sua empreitada para resgatar a inteligência, a vivacidade e o humor na arte e na vida, seguindo acima de tudo a vontade e o prazer da realização artística contra a mecanização do cotidiano e dos costumes.

A mostra que o MAM recebe em primeira mão parte do primeiro passo revolucionário da obra de Duchamp, a criação do primeiro ready-made em 1913, para mostrar de que forma o trabalho de sua vida questionou o papel das instituições, principalmente a artística (museus, galerias etc.), a forma como as pessoas vêem o mundo e a própria arte, além de colocar em xeque a importância da obra de arte por meio de réplicas e reproduções.

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Fui no último dia (grátis): era um lindo domingo no parque (Ibirapuera). Hora e meia de fila -- nem senti, tão boa a companhia. Ademais, a algaravia dos jovens, o colorido de suas roupas, as "criações" capilares, os livros nas mãos das pessoas, e as flores dos ipês -- primeiro dia de primavera -- fez arte na vida.

Os delírios do cinema

DELÍRIOS EM 35mm
Desde as narrativas fantásticas de Meliès, o cinema tem exibido igual capacidade de tornar plausível o irreal, o imaginário, o alegórico, o fantástico. São muitos os filmes que não se limitam a colocar em cena uma reprodução daquilo que captam os nossos sentidos, indo além nas possibilidades de representação do que está além daquilo que vêem os nossos olhos. Nessas obras, geralmente categorizadas como surrealistas, expressionistas, alegóricas ou fantásticas, o mundo material é apenas uma das inúmeras possíveis dimensões da realidade, à qual se somam o sonho, a imaginação, o delírio, a fantasia.
Em homenagem àqueles cineastas que enxergam no cinema não apenas uma forma de reproduzir a realidade como ela nos aparece, mas também um meio de tornar real na tela tudo aquilo que nossos sentidos não podem captar, a Cinemateca Brasileira apresenta um pequeno ciclo de filmes marcados por uma estética delirante e, em muitos casos, pela mais desavergonhada fantasia, dos quais, felizmente, ainda restam cópias em película para o nosso deleite.
Além de uma obra pouco lembrada daquele que é talvez o maior representante deste cinema delirante, o italiano Federico Fellini, estão presentes filmes de grandes nomes do cinema onírico e fantástico dos anos 80 e 90, como David Lynch, Jean-Pierre Jeunet, Peter Greenaway e Pedro Almodóvar, além de obras atípicas de Steven Soderbergh e dos irmãos Coen. Seguindo a lição de grandes mestres como René Clair, Buñuel, Jean Cocteau e Alain Resnais, estes cineastas, profundamente autorais, utilizam o cinema como um instrumento para fundir vigília e sonho, presente e passado, percepção e alucinação. Seus filmes fazem desta mostra uma singela defesa da tela branca como o espaço do delírio traduzido em imagens e sons.
Texto da Cinemateca Brasileira (São Paulo)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Porque a leitura é importante?


A professora Janaína Pietroluongo diz: 

"Apaixonada pela linguagem escrita e pela leitura"
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"Uma aluna me pergunta: o que preciso fazer para escrever bem? A resposta é sempre a mesma: antes de mais nada, você precisa ler. Alguém imagina um músico que não ouça música? Um cineasta que não veja filmes? Um chefe de cozinha que não experimente a boa mesa?...pois é...como imaginar alguém que escreva bem sem a leitura? Não consigo.

É através da leitura que temos contato com a forma escrita da língua, que aumentamos o nosso vocabulário e aprendemos a ortografia. É também através da leitura que abrimos nossos horizontes, expandimos nossa consciência do mundo, tomamos contato com outras experiências. É ainda através da leitura que desenvolvemos uma consciência crítica."

domingo, 14 de setembro de 2008

viagem para Natal (RN)




Chega-se ao número 4000 da Avenida Litorânea por ponte ou por balsa. Distingo a casa de meu irmão pela biruta multicor girando em cima do hangar, a placa ULTRALEVE-ALUGUEL, a pista para decolagens, o descampado ao redor. Um mar na frente e dunas por todo lado. Par perfeito: a pessoa e a casa.

4 adultos + 4 adolescentes + 3 da família do caseiro + 2 cachorros: todos na vagabundagem do verão. Vivia-se de mar, ar, areia, e de banhos na lagoa particular da vizinha. A despeito do cartaz: PROIBIDA A ENTRADA DE ESTRANHOS. A gente nem se sentia estranho, afinal meu irmão morava lá muito antes dela chegar. Mesmo assim, rastejávamos como em treinamento militar e conseguíamos driblar o vigia. Fatalmente ele nos descobria porque um dos cachorros nos denunciava: era preto como o Cão e rebrilhava no branco da areia.

De qualquer maneira, o vigia era distraído. Fora caseiro na casa de meu irmão, morando na casa do fundo do terreno com a mulher. O problema surgia quando o vigia ia trabalhar na lagoa: não ficava ninguém em casa pra vigiar a mulher dele. Os galhos na cabeça do vigia eram variados, até que a mulher deu preferência para Augusto Xavier. Acabaram desaparecendo, ainda por cima levando o cachorro do vigia (o cão, não o vigia).

Naquele ano choveu muito e fizemos da casa um cassino: gamão, sinuca, mankala, xadrez, palavras cruzadas. Embora o melhor de tudo fosse flanar ao vento da varanda olhando para o descampado – os coqueiros – o mar – as charnecas – e viajar cada vez mais para dentro.

Foi nessa época que a vontade de ficar (in)quieta numa pequena comunidade à beira-mar bateu mais forte. Fomos ver Morro de São Paulo, uma ilha, quem sabe, uma alternativa. Nos pediram uma pequena fortuna por uma pequenina casa, no alto, com esse tipo de vista que tira o fôlego, e um delicioso endereço postal: “Beco dos Elefantes, degrau 136. Morro do Farol, Ilha de Tinharé”.
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Nunca fomos morar na escada... que pena.

sábado, 13 de setembro de 2008

Pablo Delgado e Amadeo Romero

Matéria do jornal de Rosário (Argentina)

“Alguém, naquele comercial da Coca Light de 2006, pedia “uma salva de palmas para o que fiz – larguei tudo e fui abrir um bar na praia.”
Nada mais fazia do que manifestar uma das fantasias mais comuns ao ser urbano: a pousadinha nas areias dos trópicos tendo o murmúrio teraupêtico do mar como trilha sonora.
Amadeo Romero e Pablo Delgado também o fizeram. Largaram tudo – profissão, trabalho, afeto, tradição – e se instalaram num rincão da Bahia, uma aldeia escondida perto de Porto Seguro (Brasil), um pedaço de paraíso com palmeiras, areia branca e turismo exclusivo.
Provenientes de Rosário, deixaram para trás uma vida urbana tradicional. Pablo, cientista político de 48 anos sempre esteve vinculado à gastronomia. Foi o criador do Café da Ópera, no teatro El Círculo. Amadeo (39) trabalhou mais de 15 anos como arquiteto.
Juntos, abriram um restaurante em Fisherton que funcionou 2 anos. Em seguida, outro restaurante, na parte alta da livraria Ross. Tudo isto até a primavera de 2002 quando tomaram a decisão de “dar o salto”.
“Uma noite, estávamos num restaurante de Rosário com alguns amigos, quando a oportunidade se apresentou. Não hesitamos muito, na verdade. Com o passar do tempo nos demos conta de que fomos não apenas ousados, mas um pouco inconscientes. Vendemos nossas coisas, juntamos as que sobraram e partimos para a Bahia. Era uma época difícil (2002), não pudemos ir de avião. Foram 3000 kms de estrada, debaixo de chuva, levando 13 malas de bagagem.”
Depois de circular por caminhos sinuosos e de atravessar um rio largo de balsa, chegaram a seu destino: Santo André. “Foi amor à primeira vista” – recorda Pablo . “A princípio foi um sonho, uma dessas fantasias um tanto difusas porém balsâmicas que temos em momentos difíceis. Areias brancas e mar azul claro. Água de coco, sol eterno e tardes frescas. O som do tempo e o tempo para vivê-lo, para amar, rir, dançar, cantar, conversar.”
Aos poucos foram erguendo o local que seria a moradia e o sustento. “Agora temos um restaurante-bistrô chamado Casapraia que funciona em nossa própria casa.”
Ainda que o senso comum indique que a adaptação a uma aldeia brasileira não seja tão difícil – com a boa vontade da gente do lugar, o clima propício e a velha chama da vida reacendida – a adaptação não foi fácil para nenhum dos dois.
“Agora rimos de nossos tropeços, porém chegar em um lugar desconhecido, com uma cultura e costumes bem diferentes dos nossos, não foi fácil.” A vida na Bahia, por mais que seja uma pequena vila de pescadores, tem seus segredos

“A princípio éramos dois estranhos. Porém, com o passar do tempo acabamos conquistando o carinho e o respeito das pessoas locais. Não temos dúvidas de que este é o nosso lugar no mundo. Aqui estamos, orgulhosos e felizes com nossa história.”
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foto: cortesia do site http://www.santoandre-bahia.com

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A batalha de Argel




Ontem à noite nossa pequena confraria cinéfila se reuniu para assistir A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo.

Finalmente colocamos em prática a idéia de (re)ver clássicos do cinema de ficção e documentários de temática política. Oba!

Com o sono “atrasado” comecei a ver o filme desanimada, mas logo fui sacudida pela beleza das tomadas em preto-e-branco do bairro europeu e da Casbah (bairro popular) de Argel. É um quase-documentário emocionante que nos mantém em suspense do início ao final. Retrata a luta do povo argelino pelo fim do colonialismo francês e, em particular, o despertar da consciência política de Ali La Pointe (figura histórica real) que convive com prisioneiros políticos na cadeia e assiste à execução na guilhotina de vários companheiros. Ao ser libertado, Ali procura a Frente de Libertação Nacional (FLN) e engaja-se na luta pela independência.

Na escalada da violência, atentados terroristas provocados pelos dois lados, provocam a intervenção do Exército francês (pied-noirs) e a chegada do coronel Mathieu, personagem inspirado em Jacques Massu, o carrasco de Argel, adepto de torturas e execuções sumárias. Há poucos anos o The New York Times noticiou que o filme foi exibido no Pentágono para militares norte-americanos inconformados com a resistência teimosa do povo iraquiano.

Um dos aspectos que mais gostei foi perceber que Pontecorvo condena as ações terroristas, destacando os inocentes como as maiores vítimas. A música (Enio Morricone) é a mesma após os atentados praticados por franceses e argelinos, praticamente um réquiem. Ao contrário do cinema norte-americano, que em geral demoniza o inimigo e não lhe dá voz, A Batalha de Argel expõe os pontos de vista e os métodos aplicados por argelinos e franceses. Mesmo assim, é inegável a empatia do espectador para com os colonizados.

A batalha de Argel foi vencida pelos franceses, mas os argelinos ganharam a guerra. Hoje a revolução proletária é uma relíquia do século XX, porém a dominação estrangeira, as ambições imperialistas e as reações nacionalistas prosseguem pelo século XXI adentro. Basta ver – entre outros – Kosovo, Iraque, Afeganistão, Ossétia do Sul...

A batalha de Argel ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1966. Ficou banido na França até 1971. No Brasil só foi exibido após a abertura política, no início dos anos 80. Após assisti-lo, Marlon Brando quis filmar sob a direção de Pontecorvo, nascendo assim outro clássico Queimada (1969) sobre a dominação colonial nas Caraíbas.
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Obs.: lembro de alguém comentando como as ruelas da Casbah pareciam as de uma favela carioca. Alguns concordaram, outros não. O excerto abaixo retirado do blog de um carioca, alinha-se com os primeiros:

“Outro aspecto atual é uma comparação entre A Batalha de Argel e Tropa de Elite. A geografia de Argel guarda semelhanças com a Zona Sul do Rio de Janeiro: Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon estão bem próximos das favelas penduradas nos morros.

Quem assiste A Batalha de Argel facilmente pode imaginar o coronel Mathieu comandando uma invasão em alguma favela carioca. Se a questão for reduzida a uma disputa pelo domínio territorial, pondo-se de lado os objetivos dos grupos em ação, o capitão Nascimento certamente adoraria ter a colaboração do coronel Mathieu. Se a operação conjunta fosse bem sucedida, poderiam até inspirar o tema de uma escola de samba para o carnaval seguinte, algo como “O Molho Francês na Batalha de Dona Marta”, com o samba-enredo tendo por refrão “Mathieu, Mathieu, agora nos morros mandamos você e eu”.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Pequenas crônicas desesperadas (Arnô)


Na madrugada do primeiro comício de Jorge Pontes aqui em Santo André – todo mundo lembra – este homem foi assassinado. Na hora ninguém notou (salvo a família dele): o barulho dos tiros se confundiu com o dos fogos de artifício. E assassinatos não são usuais em Santo André: o último faz 12 anos; do penúltimo ninguém se lembra.

Arnô não foi morto por política, foi – digamos – por amor. O vizinho cismou que Arnô olhou pra mulher dele.

Coisas de Otelo.

domingo, 7 de setembro de 2008

Pilão Arcado, a cidade velha


PILÃO ARCADO VELHA

Submersa pelos bilhões de litros d´água da barragem de Sobradinho, repousa a antiga Pilão Arcado. Restaram raras ruínas, amparadas por um sítio mais alto. Uma igreja, duas casas, três muros.
Enquanto perambulava no pouco espaço de terra firme, senti uma sensação esquisita. Talvez a maioria de nós sinta essa espécie de fascínio ao caminhar em lugares subitamente abandonados ou destruídos.
Quem teria vivido aqui?
Como a cidade desapareceu do mapa, lentamente
ou de uma só vez?
Como foi feita a transferência de toda uma população e de seus pertences? Perguntas tantas, escassas respostas.
Ainda moravam naquele ermo um homem jovem, sua mulher e seu filho.

sábado, 6 de setembro de 2008

Pilão Arcado, a nova

Para entrar nas águas da barragem de Sobradinho partimos cedo em dois barquinhos. No outro, um amigo de Brasília. A água é clara, translúcida, em forte contraste com a cor barrenta do rio São Francisco. O vento norte entrava forte e deu “mareta” (onda de rio). Paramos algumas vezes nas margens, por precaução – o barco balançava muito – e só conseguimos chegar ao vilarejo de Passagem na hora do pôr-do-sol.
Fomos curtindo a beleza do rio, observando o pessoal ribeirinho, a vegetação de dentro e de fora da água, o peixe saltante. Horas e horas transcorridas em estado zen, quase irreal.

Passamos correndo por Passagem, só uma noite. Vimos o local onde existira uma ponte: as águas da represa cobriram. Ficou só uma passagem para Pilão Arcado – a nova Pilão Arcado porque a velha Pilão foi inundada.

Pilão Arcado nova tem 4 prédios grandes: a casa do prefeito, a casa do tesoureiro da cidade (por sinal, irmão do prefeito), um monstruoso templo de religião evangélica, e uma boa pousada – do irmão do prefeito, é claro. Ah! Tem ainda uma praça grande e bonita, novinha – bem em frente à casa do prefeito.

Na fachada do “Supermercado Melo” vi uns furos enormes. Fruto de rajadas de metralhadora. Contam que o tiroteio durou quase uma hora: um assalto à agência do Banco do Brasil, ao lado do supermercado. O gerente do banco morreu, assim como os assaltantes. Pilão ficou mais arcado.

Notei que os moradores se empenham numa medonha atividade esportiva: competem ferozmente para ver quem consegue ter a parafernália musical que mais azucrine. São imbatíveis na modalidade, desfilam incansavelmente pelas ruas ou param na praça com aquela zoeira alucinante.

É diferente ver o Brasil de fora das metrópoles, mas não tenho saudades de Pilão Arcado nem passo mais em Passagem.