domingo, 31 de janeiro de 2010

memórias de Madeleine

"E de repente a recordação surgiu-me. Aquele gosto era o do pedacinho de madalena que em Combray, ao domingo de manhã (porque nesse dia não saía antes da hora da missa), a minha tia Léonie, quando lhe ia dar os bons-dias ao quarto, me oferecia, depois de o ter ensopado numa infusão de chá ou de tília."
Estas linhas se estenderam aos meus olhos ontem, no domingo de manhã. Já passei por elas antes, pois qualquer que goste de ler um pouquinho sabe de antemão que se trata do livro Em busca do tempo perdido. Como tenho cá dentro minhas próprias madalenas, o pensamento me arrastou para um episódio que vivi no agreste durante uma longa viagem de carro pelo Nordeste brasileiro, no caminho dos Lençóis Maranhenses. Estávamos atravessando o interior do Rio Grande do Norte, uma cidadezinha após a outra, quando, de dentro do carro, avistei um carnaubal carregado de frutos pequenos, negros e redondos. A visão daqueles cachos nas palmeiras me inundou de reminiscências ligadas à infância: de como eu gostava de comer aquelas frutinhas e tomar banho naqueles rios pulando daquelas pontes e das presepadas que a gente aprontava para ser a primeira a encher o cestinho com os frutos escuros ou para dar salto mortal sem deixar o maiô escorregar.
Naquele instante me lembrei da Madeleine proustiana e me convenci em segundos de que se eu não provasse daquele fruto imediatamente eu perderia uma oportunidade ímpar de ter algum tipo de revelação interior. Falei isto para meu marido que olhou desanimado para a altura das palmeiras (pode chegar a 40 metros) e respondeu com um murmúrio descrente como é que a gente faz pra pegar. Por causa de minha insistência deixamos o automóvel parado na rodovia deserta e perambulamos um pouco por ali, não tenho idéia do tempo real nem de relógio ou ampulheta, só sei que a porta que dá acesso ao passado se abriu e consegui saltar décadas através das sensações fortes que me atingiram e me fizeram “ver” aqueles mesmos rios só que mais cheios d'água, e de como estava quente o dia da inauguração da ponte, e de como cheiravam bem os vestidos timão que as mães da gente faziam ou encomendavam às costureiras.
Voltamos para o carro e para a estrada sem conseguir nosso intento, mas quando paramos num vilarejo próximo para comprar água, Cláudio teve a idéia de oferecer uma pequena recompensa em dinheiro para quem conseguisse nos trazer carnaúbas – foi um delírio, parece que até o prefeito correu para a mata com uma latinha na mão. Esperamos um tempo, afinal a tarefa não era tão simples assim – os meninos foram voltando devagar, equilibrando as frutinhas em recipientes improvisados. Saí dali com o colo cheio de carnaúbas, agora era só provar e esperar pelas revelações, já pensou quantos anos de análise poderiam ser poupados? O anticlímax se deu quando nada aconteceu, ou pior, eu detestei o sabor da frutinha, a coisa era intragável, com um gosto horrível de cera, de onde que eu tirara a idéia que aquilo era gostoso? Fiquei com a maior vergonha de revelar isto ao companheiro, então fui digerindo algumas com muita dificuldade até admitir que se eu persistisse naquela refeição iria acabar com indigestão, melhor confessar tudo e jogar aquela porcaria insípida no lixo.
Então até hoje eu pensava que minha busca do tempo perdido tinha sido em vão até que me surgiu outra passagem do romance do Proust, já no final desta longa obra, quando Marcel se dirige para a casa da princesa de Guermantes e, ao entrar no pátio da residência, pisa na calçada de pedras irregulares – a sensação causada se liga à outra, muito parecida, que ele sentira quando pisara sobre dois azulejos irregulares no batistério da igreja de São Marcos anos antes e esta memória involuntária resgata das profundezas adormecidas de sua memória uma lembrança imediata que faz Veneza surgir à sua frente com toda sua atmosfera e luz.
Foi então que compreendi que no episódio das carnaúbas eu pude sim, recobrar os dias escoados, assim como em outras ocasiões, como quando a gente é apresentada a uma pessoa e tem a sensação de que já a conhece ou passa por uma rua até então desconhecida e ela parece familiar. O detonador da memória involuntária –a única que permite revelar o nosso âmago, a essência da nossa vida – pode ser uma cor, um cheiro, uma textura qualquer que não necessariamente precisa ser embebida em chá.
E é bem mais reveladora que a memória da razão ou percepção associativa.

tuitadas

O ARMÁRIO DAS ROUPAS
SOBRINHAS
Oi, Janaína, ainda estou esperando as fotos do Café da Júlia...e a vinda de vocês para cá

DITADOS POPULARES
mais vale um pássaro na mão...

FLAGRANTES
ele está de olho é na butique dela

sábado, 30 de janeiro de 2010

as roupas do armário


Um artista mineiro, o fotógrafo Fábio Cançado, fez um filme de média-metragem chamado "A visita do Olhar da Sombra". A fita (uma compilação de 20 vídeos) foi premiada na terceira edição do programa Filme em Minas e está integrado a um projeto multimídia do autor que explora metaforicamente o contraste da Burca, uma veste oriental, em relação à exarcebada exposição dos corpos em países tropicais. O melhor de tudo é que Fábio está aqui em Santo André e na próxima terça-feira (2/2) o filme será exibido no restaurante Casapraia com a presença do cineasta. Em seguida, será exibido o filme italiano "Almoço em Ferragosto "
obs.: a praia da foto é a de Santo André e a moça embaixo da burca é a Elisa Bottini
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Que me desculpem os multiculturalistas, mas continuo achando que a burca é uma veste opressiva onde nem sequer o olhar da mulher fica livre. Bom mesmo é uma velha calça jeans e a liberdade no vestir.
enquanto isso, os homens...




viajar pelo Nordeste

Uma amiga de Brasília resolveu, como eu, morar numa cidade com praia. Escolheu a capital da Paraíba onde ela e um sócio abriram uma empresa de eventos de nome sugestivo: BORA ALI Produções e Eventos. A BORA ALI está convidando para o LUAL de hoje – claro que tem lua cheia – na Ilha da Restinga, em João Pessoa. Da descrição dos preparativos retirei estes arranjos... “mesas de frutas, esteiras com almofadas, puffs, cajueiro decorado com artesanato de folha de coqueiro, maracatu, som de tambores, carrinhos de espumante da Miolo”... Huuuummm. Promete.
SUERTE, Alê!
E parabéns pelo evento: correto em termos ecológicos e sociais.
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Enquanto isso, em Natal, o pessoal da ecologia se debate com o povo da folia: querem fazer um carnaval nos parrachos!
Até poesia surgiu pra comentar a heresia. (achei no blog www.marioivo.com.br)
"Nouveau riche vai de lancha
piranha vai, convidada...
Muito brilho. Enfumaçada,
a rafaméia se arrancha!
No cenário de cangancha
proliferam os rapa-tachos,
as bibas arranjam machos,
farto corre os doze-anos
e a súcia de carcamanos
faz carnaval nos parrachos."
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glossário:
parracho - formação de corais
rafaméia - ralé
cangancha -trapaça
biba?

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

a lágrima furtiva


Nos dias que se seguem às catástrofes sempre vemos nos jornais e televisões imagens terríveis do sofrimento das vítimas. Nesta recente que ocorreu no Haiti, vi pela TV quando vários jornalistas se aproximaram do local onde uma mulher estava soterrada e, na sofreguidão de filmar ou fotografar de perto, chegaram até a atrapalhar o trabalho da equipe de socorro.
Será que nos cursos de jornalismo e nas redações dos jornais e televisões não há quem se recorde que o princípio de toda a compaixão é não exibir o sofrimento alheio?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

o gostinho do verão

Este verão em Santo André está pra turista nenhum botar defeito. Depois de 90 dias sem ver água, agora chove de madrugada e amanhece em brancas nuvens.

música, maestro (2)

http://www.youtube.com/watch?v=KmilHDsB_5E

Vocês pensam que Portugal só toca em Fado?
Então escutem isto.
(Amor Combate, Linda Martini)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

de Canavieiras a Belmonte por Ricardo Freire

é o título do post de Ricardo Freire em http://www.viajenaviagem.com

Vale a pena visitar o site, traz todas as dicas sobre esta travessia -- um passeio clássico, aqui da Costa do Descobrimento
as fotos são presentes que Domingos me deu (obrigada!)
são instantâneos da tradicional procissão fluvial dentro da programação da Festa da Cidade de Belmonte (celebrada no mês de janeiro)

Mamãe faz 100 anos

"O Luís Nassif nem sabe, mas tomei emprestados esta foto e o texto abaixo do blog dele só para homenagear Dona Memélia, uma anciã que me trouxe à memória o filme de Carlos Saura (Mamá cumple cien años)
"A chegada do presidente Lula ao apartamento de cobertura de Chico Buarque na noite de segunda-feira no Alto Leblon, no Rio, já era esperada, mas o protocolo presidencial foi quebrado por imprevisto banal. O elevador social pifou bem na hora que Lula chegou ao edifício acompanhado dos ministros Dilma Rousseff, Franklin Martins e Márcio Fortes. Não teve outro jeito. Lula e comitiva subiram pelo elevador de serviço para se juntar aos mais de cem convidados que comemoravam o aniversário de Maria Amélia Buarque de Holanda, mãe de Chico. Memélia, como é chamada em família, completou 100 anos.A festa era familiar. Estavam lá os 7 filhos, 13 netos (a única ausente era Luísa, filha de Chico e Marieta Severo que estuda em Paris) e 12 bisnetos, incluindo a caçula Leila, de apenas três meses, filha de Helena e Carlinhos Brown. João Gilberto, ex-genro, não foi, mas mandou de presente seis caixas de champanhe francês. “Foi uma festa animada com criança correndo pela casa e pessoas rindo”, conta Miúcha, a primogênita dos sete filhos de Maria Amélia."

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

o paraíso perdido

Você já deve ter notado uma tendência que temos de chamar os lugares bonitos da Natureza de paraíso, notadamente praias, montanhas e cachoeiras. Será que poderíamos dizer algo assim de Santo André? Vejamos as fotos
praia de Santo André (lado norte) onde se vê uma pequena aglomeração humana em frente ao resort Costa Brasilis
na mesma praia, virando o rosto para o Sul percebemos outra pequena aglomeração na Ponta e (o principal) todo o Meio com pouquíssima gente, em pleno verão (note-se a vegetação tipo restinga, típica do litoral, ainda preservada, uma raridade nas praias brasileiras)
a vista de dentro para fora, a partir da Pousada Victor Hugo, nas duas últimas fotos
Parece-me que alguns parâmetros escolhidos para merecer o título -- além da beleza física -- são
relativos à preservação de costumes em desuso nas grandes cidades e um certo ar naif e o pitoresco que as Vilas e Povoados possuem. Apesar da inegável beleza do Rio ou da estonteante variedade cultural de São Paulo não lembro de ter ouvido ninguém se referir a estas cidades como paradisíacas nos últimos 15 anos. (assim como acho dispensável lembrar que não existe paraíso terrestre, já que todo mundo sabe que as mazelas humanas não têm preconceitos, se espalham como ervas daninhas por todo e qualquer lugar; ontem mesmo tivemos uma reunião sobre o uso de drogas aqui no povoado). O assunto, na verdade, é de uma enorme complexidade, vem desde o Gênesis e tem merecido uma longa reflexão da humanidade, algumas notáveis como as descrições dos Paraísos de Dante ou de Virgílio. Agora recordo que once upon a time, tentei ler o livro mais conhecido de John Milton, o poeta inglês do século XVII, chamado justamente de O Paraíso Perdido, um poema em 10 cantos. Não consegui, achei muito difícil à época, mas através de seus comentadores cheguei à conclusão que neste livro, Deus oferecia um paraíso a Adão e Eva sim, mas ele estaria localizado dentro deles, no âmago de si mesmo... Será?

música, maestro


Quando escutei a música "Fascinação" no outro dia, lembrei da noite em que estávamos abastecendo o carro para viajar (há tantos anos atrás!) e num impulso descemos do automóvel para dançar esta música que tocava alto num posto de gasolina feericamente iluminado, indiferentes aos olhares dos transeuntes...
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Les Fiancés au Violoniste, tela de Marc Chagall onde o próprio artista é o violonista

a Camila em Santo André da Bahia

No post abaixo deste aqui tem um comentário tão bonitinho que resolvi transformá-lo em post. Felicidade, para qualquer blogueira é receber uma mensagem assim. Camila, sua mensagem me enterneceu (obrigada!), ainda por cima eu tenho uma filha chamada Camila, esta moça aí em cima (a + alta). Vou lhe responder no email que você enviou, mas peço aos amigos daqui de Santo André que colaborem com a Camila e enviem sugestões via comentário a este post
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"Vim ao redefurada para obter maiores informações sobre Santo André já que semana que vem saio do interior de São Paulo para conhecer o Sul da Bahia. Na "flor da idade" para alguns, tenho 21 anos, desembarcarei em Porto Seguro fugindo de toda badalação e agito que jovens "como eu" preferem. Parto em busca de tranquilidade, paz, auto-conhecimento (vou sozinha!!!); e novas culturas, costumes, sabores, e até mesmo pessoas. Até então, pelo que eu ouvira, só sabia de Caraíva- um lugar que só de ver fotos me apaixone, outros destinos deixaria que o vento me levasse... Mas depois de ler o "Rede Furada", confesso, Santo André com certeza será um destino certo. Adorei os textos, as fotos, até mesmo as pessoas, que só de ler e ver, transmitem uma coisa boa que não sei dizer o que é. Gostaria de saber mais ainda sobre o local, como lugares pra ficar, restaurantes, passeios, e pelo jeito até a agenda cultural local.
Vou com mochila nas costas, "pouco" dinheiro e o coração escancarado...
Gostaria de dicas não só de Sto André, como de outros lugares apaixonantes pela região."

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tuitadas

Meu marido me convidou para a pescaria, ele com anzol e linha, eu com um livro à tiracolo. Subimos no Bacana -- o homem, o rapaz, o menino e a mulher -- e rumamos para a Coroa Alta, um banco de areia grossa e amarelada.
De lá fomos para o pesqueiro – no caminho o vento começou a soprar forte encrespando as ondas.
Como não deu mais para ler, fiquei a ver navios.
Um convidado inesperado
Fomos jantar na casa de amigos alemães na semana passada. No meio da conversa apareceram umas meninas risonhas e alvoroçadas com uma novidade vinda da mata: dois bichos-preguiça!
O maior, a mãe, estava lá em cima, no topo das árvores, e o pequeno, o filhote do bicho-preguiça, estava no chão -- aparentemente caíra das costas da mãe.
Olhem que amor, a carinha dele!
A solução foi pegar uma escada e colocar o baby de volta na copa das árvores. Lentamente eles foram se reaproximando, enquanto a pequena platéia embaixo seguia seus movimentos com apreensão.
Deu happy-end.
O coqueiro da Coroa
No dia 8 de novembro plantamos um coqueiro no mar, digo na Coroa Alta, uma elevação de terra a cerca de 7 milhas náuticas da praia, desprovida de vegetação, salvo por umas plantinhas rasteiras (estas que aparecem na foto). Como quase não choveu de lá para cá, pensávamos que o coqueirinho havia morrido.
Qual nada! Quando passamos por lá (ontem) vimos que está vivo e desenrolando folhas novas... Ficamos animados e decidimos voltar lá em breve levando adubo e água doce.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Despedida (1)



Cara Dona Josefina,

Eu acho que a senhora não pôde ver a cerimônia que se passou na sua despedida lá em Belmonte, ontem. Ou se viu, foi de modo muito diferente do nosso. A senhora estava de corpo presente, logo na primeira sala à direita de quando a gente entra no casarão bonito de traço colonial, típico da época que Belmonte era um próspero lugar para se viver à sombra do cacau. Tanto que a casa, que hoje pertence à sua filha, tem um mundo de quartos e nunca vi tanta porta. A senhora estava lá, e também vi os seus livros de cerâmica, inclusive aquele da Catalunha, deve ter sido comprado na época que viajou para a Espanha. (agora acho tão bom que tenha feito esta viagem) Entramos, a casa estava cheia – a senhora nem imagina o tanto de pessoas que acorreram para lá, tão logo souberam da notícia. Nunca vira tanta gente de Santo André junta para evento particular, a não ser no aniversário dos 80 anos de Dudu, duas ou três estações para trás. Como de costume, a senhora estava toda arrumadinha, era um de seus traços, o gosto pela elegância, as roupas sempre adequadas, os desenhos delicados de tons pastéis nos seus pratos de porcelana, as orquídeas florescentes no jardim de sua casa. Sua família estava chorosa e triste ao mesmo tempo que tão bonitos, todos vestidos de branco, as filhas, os genros e os netos. Só não deu tempo para sua neta mais velha chegar, a senhora lembra, não é, Yasmim mora na Alemanha.Tudo aconteceu bem devagar, neste seu último dia entre nós, Da. Josefina. O tempo estava quente e abafado, as pessoas se espalhavam quietas pelas salas, cozinha, calçada, algumas assistiam um vídeo de um programa especial de Roberto Carlos ou conversavam com amigos que há tempos não viam. Aguardávamos com paciência, de qualquer maneira dias assim têm sempre um toque de irrealidade, malgrado pouca coisa desta vida seja mais real do que a morte. Mais tarde a banda chegou, eram quatro homens e quatro instrumentos de sopro – tocaram uma música de melodia tranqüila e foi com suavidade que pousaram a senhora na parte de cima da camionete branca. Nesse momento sua família e vários dos demais se emocionaram e choraram muito, talvez por não ser possível esquecer a infalibilidade da última jornada. Saímos, um cortejo de carros, os netos maiores ao seu lado com as faces vermelhas do choro, a gente notava o olhar respeitoso das pessoas nas ruas, passamos no farol antigo, alguém mencionou que foi construído pela mesma companhia que fez a Torre Eiffel, outro traço do antigo fausto de Belmonte. No cemitério daqui, meu marido me contou, a divisão social persiste pela eternidade: à parte dos comuns mortais, tem um lugar chamado de Baixada Fluminense – é onde se enterram os bandidos – e outro espaço reservado para os índios.

Eu poderia falar dos coqueirais laterais ou da proximidade do mar no lugar onde agora a senhora repousa, Da. Josefina, ou ainda das cores e leveza das flores soltas – buganvílias, helicônias, hibiscos – mas a parte da cerimônia mais tocante não é possível explicar com palavras e aqui eu me despeço mas não de todo, porque da senhora ficam vários descendentes, essa gente bonita e de valor que a gente tem a sorte de conviver aqui no povoado.

Despedida (2)


De Seu Bené que ainda outro dia andava lépido pelas ruelas perto da igrejinha, que fazia cercas e plantava cereais no terreno baldio em frente à sua casa e que babava por este neto, o João Igor. Seu Bené morreu de infarto, foi rápido, não sofreu.

E ainda: de Da. Yayá, que não conheci, mas era a mãe de Léa Penteado, uma moradora que adora a Vila, é dela esta foto das cadeiras na praia

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

o olhar da gaúcha

Fotos-presentes de Cristina Gonçalves, minha vizinha gaúcha
por-de-sol no cais
(they come in mellow-yellow)
golden deck

A arte no vestuário


É o título do livro que não estou lendo (mas gostaria de estar). Li a resenha e fiquei com vontade de vê-lo na minha mesa de cabeceira. São mais de trezentas páginas cheias de roupas ma-ra-vi-lho-sas, todas retiradas de obras de arte (dezenas!), do Renascimento até a contemporaneidade, um prato cheio de rendas para quem gosta de pintura, história e moda.
É quando a roupa ganha destaque, vira estrela. Cacilda Teixeira da Costa, historiadora de arte, descreve as relações do vestuário com o corpo; também sobre a relação da indumentária com o poder, com a identidade e a sexualidade. Ela procura explicação para o fascínio extraordinário que as indumentárias exercem sobre os mestres: um drapeado perfeito, a textura dos tecidos adamascados, um decote, a forma de um punho ou uma jóia no cabelo...
Nesta pintura de Jean Fouquet, por exemplo, é fácil perceber que o artista subverteu a tradição ao representar a Virgem Maria ladeada de anjos, mas com o rosto de Agnès Sorel, a amante do rei francês Carlos VII, uma mulher que sabia usar vestidos com cauda de 8 metros e morreu envenenada aos 28 anos de idade, depois de haver transformado o rei de homem casto em monarca tarado. Fouquet apresentou uma mulher de seios opulentos, pele marmórea e rica indumentária, não esquecendo sequer do detalhe da testa raspada à navalha. Vá lá que o conceito de pudor na Idade Média relevava o seio desnudo em fase de amamentação, mas o corpete da modelo não combina nem um pouco com santidade, né?

Roupa de Artista - o barroco sem culpa

Fragonard e o erotismo velado das saias rodadas aparecem em cenas maliciosas como no quadro O balanço, produzido para atender a encomenda de um cliente importante e rico (o tesoureiro do clero francês). Ele queria uma pintura que retratasse o amante agachado no meio das rosas, de forma que lhe fosse possível ver o que havia por baixo das saias da moça, essa que está trajando um vestido rococó em rosa pastel e se encontra suavemente iluminada pelos raios de sol que penetram no bosque. Ela perdeu o sapato direito e como sua perna direita está esticada pra frente, a visão desejada aparece enquanto a jovem parece se divertir muito com a expressão extasiada do fulano.

Roupa de Artista - a modernidade

No século XIX, a relevância dada ao vestuário já era igual àquela dada a temas mais nobres, como mãos e rostos. Logo em seguida Degas rompeu os limites entre a representação e a vida ao utilizar uma peruca de cabelos verdadeiros e roupas (tutu de tule e corpete de seda) na escultura de uma jovem bailarina de 14 anos que se encontra em São Paulo, no acervo do MASP.
No século XX, a indústria da moda desenvolveu-se fortemente e assumiu para si a criação e divulgação do vestuário através dos meios de comunicação de massa. Os artistas perderam sua influência sobre a criação dos trajes, sendo substituídos pelos costureiros, hoje chamados de estilistas.
(o Pós-Tudo) Em 2007, o estilista brasileiro Jum Nakao criou a obra Lux Delix, um insólito vestido de gala feito de sacos de lixo que foi colocado numa exposição de arte e elevado a esta condição

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

o rede furada faz aniversário

O Rede Furada completou 40 mil visitas enquanto eu dormia e agora que já nem lembro exatamente porque resolvi experimentar juntar texto e imagem numa revistinha digital feita em casa? Li variados posts em outros blogs no tema “porque escrevo aqui” e na falta de idéia clara voltei ao início (5 de março de 2008) para rever o primeiro post. Achei um poema de Ruy Proença chamado Tiranias que por sinistra coincidência poderia ser colocado hoje, numa sintonia maligna com a tragédia do Haiti. Lembro agora com parca nitidez de um livro que li anos atrás, chamado “Os comediantes”, um misto de ficção e realidade que o escritor inglês Grahan Greene escreveu mostrando o terror instaurado na época da ditadura do médico François Duvalier (cognome “Papa Doc”), o sanguinário tirano que esteve no poder de 1957 até 1971 e é, seguramente, a figura mais famosa e detestável daquele país.


“Antigamente
diziam: cuidado,
as paredes têm ouvidos
então
falávamos baixo
nos policiávamos
hoje
as coisas mudaram
os ouvidos têm paredes
de nada
adianta
gritar "
O médico-e-monstro (pobre Hipócrates) foi excomungado pela Igreja de Roma devido a sua ligação com o vodu, uma espécie de umbanda do mal, geralmente representada por aqueles bonequinhos de pano sendo sadicamente perfurados por agulhas, notadamente no coração ou na cabeça.
Pois esta farsa de médico, o Papa Doc criou para si próprio uma milícia, uma polícia secreta que tragicamente se tornou célebre e que respondia pelo codinome de Tonton Macoutes, que quer dizer bicho-papão. Compunham um fétido tableaux noir, um bloco de homens negros que se trajava em dark absolut: ternos escuros, gravatas pretas, óculos escuros impenetráveis e redondos (uma novidade, na época). Uma variação de FBI na modalidade caribenha, desta espécie de gente que gosta de se aliar com a crueldade e com o mistério. Pois não é que a personalidade e o visual tontou-macoute tornou-se cult? Pode-se até arriscar o palpite de que o mundo só tomou conhecimento da existência do Haiti por causa do fascínio macabro do regime duvaliano. Foi nessa época que o escritor inglês Graham Greene esteve em Port-Au Prince onde se inspirou para escrever o livro que citei, ironicamente intitulado Os Comediantes ,enquanto discorre sobre drama e terror político. O Papa Doc teve um filho, seu sucessor, uma figura estranhíssima, obeso e preguiçoso, de certa indefinição sexual, apelidado com perfeição pela imprensa internacional de Baby Doc. Ele foi deposto e fugiu para a Riviera Francesa aonde talvez viva até hoje comendo foie gras com brioches e lavando os copos com chateaux lafites e rothschildes às custas da dinheirama roubada por seu pai e por ele mesmo.
Mas voltando aos posts iniciais, o de 8 de março de 2008 era sobre uma mulher de nome Rindy que foi ver uma exposição do pintor americano Cy Twombly e ao chegar na galeria ou museu resolveu aprontar: apoiando as mãos na parede conseguiu beijar uma pintura consagrada a Fedro, uma imagem toda branca, e ela usando um batom vermelhidão-carmim, o resultado foi a boca impressa no quadro totalmente branco, parte de um tríptico avaliado em dois milhões de euros. A única pessoa que estava na sala era seu namorado que folheava, distraído, o catálogo da exposição. Além da câmera de segurança, claro, que monitorava e gravava tudo. Rindy acabou nos Anais do Crime do MySpace, foi lá que li esta estória.

No dia 15 do mesmo março de 2008, coloquei a primeira postagem da modalidade “Moradores de Santo André”. Olhei a foto, reconheci Tiago, nosso vizinho e jovem amigo, companheiro de pesca de meu marido, além de Paulinho filho de Maria de Valdivino, aquele que tem a segunda mercearia (em tamanho) da Vila, a “Mercearia do Bispo” , fica em frente a um visual maneiríssimo e tem sempre uma rodinha de conversa na porta. A “Bispo” vende poucos, mas vitais artigos de sobrevivência, cigarro picado e algumas raízes ou tomates.

Nos dez dias seguintes surgem a literatura de Osman Lins e o cinema, um postinho mixo para a fita Juno, outro para arquitetura. Ainda achei outra coincidência, uma foto de meu genro e meu neto – os mesminhos da foto que coloquei há apenas 2 dias.
Se não o motivo, pelo menos encontrei, nesta brevíssima viagem no tempo, temas que continuam me sendo caros: cinema, pintura, arquitetura, Santo André, família, viagem, entretenimento, o pop...

Quer parar de fumar?



imagem do artista plástico chinês Liu Ye

sábado, 16 de janeiro de 2010

uma casa na praia


“Ontem, por exemplo, fiquei tentando entender o que o celeb-publicitário Nizan Guanaes quis dizer com um tweet que dizia assim: Salvador está out. A Bahia está in. Precisamos dar um jeito nisso.
De fato, Trancoso, Santo André, Itacaré e Barra Grande roubaram os holofotes da capital."
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Tirei este pedacinho de post do blog de Alessandra Forbes (www.viajeaqui.abril.com.br/blog/boa-vida/) e fiquei toda animada com a inclusão de nossa praia nesse elenco de bons lugares para visitar, no Sul da Bahia.
De fato, o povoado e as praias daqui preservam ainda um certo ar silvestre (e singelo), derivando daí parte do encanto do lugar. Recentemente, vi o comentário desta visitante enfatizando justamente este lado pitoresco daqui –
Santo André é bacana, porque é frágil, rústica, simples e humilde. Eu gostei muito de Sto. André!! Saludos, Carmen.” (blog da Lady Rasta)
Outra parte da graça do local é porque – justamente em ambiente tão rústico – pode-se passar noites culturais memoráveis, como aquela da temporada atual que o Casapraia promoveu -- um combo de cinema, action painting, dança e ... gastronomia, é claro, afinal trata-se de um restaurante.
Logo de entrada, o jovem cineasta Igor Spacek mostrou alguns de seus curtinhas, como o hilário Elvis de Atibaia, o filminho vencedor do Los Angeles Brazilian Film Festival (2009)
que pode ser visto em
Em seguida, o Cinema Casapraia exibiu o longa “Simplesmente Feliz” (tradução infeliz para “Happy-Go-Lucky”), uma comédia romântica inglesa que faz o público sorrir (e pensar) com esta personagem que teima em ser feliz e não quer se deixar contagiar pelos ranzinzas e invejosos. Olhem o clima de “cinema sob as estrelas”
Após o término da fita entrou em cena, ao vivo, o artista plástico Achiles Luciano que trabalha com pintura digital ou action painting, um trabalho que ia desenrolando psicodelia nas cortinas de bambu do restaurante, em forma de cores e música vibrantes.

Para finalizar, um número de dança protagonizado por Elisa e dois amigos.
Foi uma noite e tanto! Não é à toa que o Restaurante Casapraia, dirigido pelos argentinos Pablo e Amadeo (foto) tenha conquistado um lugar de proa na diversão da Costa do Descobrimento. Olhei uma matéria que o Ricardo Freire fez sobre o Casapraia no ano passado e encontrei alguns comentários que faço questão de reproduzir

- "Ricardo, todo ano vou a Porto Seguro e sempre volto no Casa da Praia... Sou fã do Pablo e Amadeo. Adorei essa reportagem. (Tati)"
- "Ricardo, sou sua fã, adorei a maneira como descreveu a Casa da Praia, realmente é um lugar único e mágico. Frequento o lugar há 5 anos e sempre tenho vontade de voltar e rever os amigos Pablo e Amadeo. Parbéns para eles (Márcia Cristalli) "
"- RICARDO, SOU SEU FÃ, SEGUIDOR E DISCÍPULO, TENHO GRANDE RESPEITO POR VOCÊ E SEU MODO DE VIDA, A MATERIA ACIMA É ABSOLUTAMENTE VERDADEIRA, O LUGAR É FANTASTICO E OS DOIS, AMADEU E PABLO SÃO UNICOS (Geraldo Bretas)"
- "Ler sobre sua experiência, faz-me lembrar também um itinerário semelhante que fiz em 2007, Santo André, Itacaré, Barra Grande, Morro de São Paulo... Em Santo André, num jantar com a lua mais linda como luz natural a Casapraia também nos fascinou bem como a sofisticada gastronomia apresentada. Um abraço para Pablo e Amadeo (Pedro Alexandre - Portugal)"
- "RICARDO ADOREI.........sou paulistana mas, moro em Porto Seguro há 15 anos. Passo bons momentos na CASA PRAIA. Adoro os meninos, amo o lugar e é claro,como muito bem e bebo muito bem lá. Não troco aquele lugar por nada...bjs...Elza ".

Pois é: a gente mora aqui na roça, mas a gente se diverte. (fotos: a primeira, de Léa Penteado, as demais de Achilles Luciano)