quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A mulher mais bonita do mundo

Em meados do século XVI, um grupo de estudiosos, filósofos e artistas que circulava na corte de Lorenço de Medici – dito Lorenço, o Magnífico – tomou a si a tarefa de definir o modelo ideal de beleza feminina. O título de “mulher mais bonita de Florença” foi dado a uma jovem de 23 anos, Simonetta Cattaneo Vespucci, esposa de um primo distante do navegador Américo Vespúcio. Até então, o ideal feminino exaltado na poesia e na arte era a beleza etérea das ninfas. Simonetta, era a própria personificação da ninfa, reunindo qualidades excepcionais admiradas pela sociedade da época: beleza, modéstia, força e delicadeza. Nascida em Gênova (ou Portovenere) em 1453, seu casamento com Marco Vespucci , um florentino com bom trânsito na corte dos Médicis, foi arranjado quando ela estava com 16 anos. Sua chegada em Florença não passou desapercebida: entre seus admiradores mais fervorosos estava Giuliano, o irmão de Lorenço de Medici. Embora ela fosse casada, ele declarava seu amor publicamente. Tanto assim que durante um torneio de cavaleiros em 1475 compareceu portando uma bandeira com a imagem de Simonetta pintada por Sandro Botticelli, um dos pintores mais celebrados do Quattrocento Italiano. Giuliano ganhou o torneio e conquistou o coração da jovem que durante o evento foi eleita «Rainha da Beleza». Não é certo se os dois se tornaram amantes. Se assim foi, o romance foi curto porque Simonetta morreu de tuberculose no ano seguinte.
Após esse torneio, a figura esbelta da jovem com o rosto coroado por uma massa de cabelos loiros tornou-se uma paixão para Boticelli e parece ter inspirado várias de suas célebres telas como a de Vênus saindo do mar e a Flora, da Primavera. Antes de morrer, ele pediu para ser enterrado aos pés da tumba de Simonetta, na Igeja de Ognissanti, em Florença – talvez uma maneira que encontrou para passar a eternidade ao lado da mulher mais bela do Renascimento italiano.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

troca de senha

“Alguém tentou acessar sua conta do Gmail dez minutos atrás. Se você não está em Wisconsin, troque sua senha agora.”
Fiquei imóvel, olhando para as palavras na tela até que achei por bem obedecer às instruções: troquei a senha e saí da sala para contar o episódio para meu marido. Ele estava quieto, olhando fixo para o computador dele. Mostrou-me uma mensagem semelhante. A tentativa de invasão no computador dele viera de Delaware, outro estado americano. O mais surpreendente veio depois. A cada 20 minutos chegava uma nova mensagem do Google dizendo a mesma coisa, só mudava o local de origem dos invasores.
Metade do mundo americano querendo ler nossas cartinhas!
Como avisar que estavam cometendo um engano terrível, que somos apenas dois insignificantes viventes? Trocamos as senhas, uma segunda e uma terceira vez. Aquele fenômeno devia ser orientado por um programa de computador, o bombardeio era regular e preciso. Finalmente nos empenhamos em colocar umas senhas complicadíssimas, com dez dígitos, incluindo números, letras e símbolos gráficos.
O ataque parou.
O problema agora é que não conseguimos lembrar as novas senhas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Casa Literária do Sesc Ipiranga




Enquanto a reforma do SESC Ipiranga prossegue, a alternativa encontrada para a ocupação artística é um casarão na Rua Bom Pastor, 709. A casa é uma deliciosa extravagância para ser percorrida do jardim ao quintal, com parada para chá e bolo na cozinha e passeios voyeristicos pela intimidade de quartos e banheiros.
Num dos quartos, a escritora Andrea Del Fuego faz uma narrativa inédita espalhada pelos móveis.

A ideia do projeto é propor atividades que despertem o imaginário gerado pela representação de uma casa enquanto o local da intimidade e da memória. “Nos quartinhos, nas passagens, nos cofres, nas fendas e nos armários é onde se desenha o íntimo dos seus habitantes e, com isso, revelamos sentimentos e lembranças”, diz a coordenadora do projeto, Roberta Lobo.
os batons e perfumes na narrativa de Andrea
 Na perambulação pelos dois andares da casa, parei para ler folhas soltas do livro do filósofo francês Gaston Bachelard: para ele, a casa é o nosso canto no mundo. “Se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz”, escreve em A poética do espaço, de 1957.
Não sei se a Casa Literária será temporária, talvez só dure o tempo da reforma. Vale a pena mantê-la, foi um passeio cultural dos mais interessantes.
uma banheira dramática 
o galpão readaptado com pallets de madeira, é palco para apresentações cênicas
A junção de três salas deu lugar ao salão de visitas, um espaço de experimentação e apresentações de dança e teatro              


   

sábado, 2 de agosto de 2014

Pai e filho

O menino saltava, o menino ria, o menino não parava quieto. Aquele rostinho risonho de olhos oblíquos não teria mais que quatro anos. Um adulto tratava de segurá-lo, enlaçando-o na altura da cintura com uma das mãos.
O homem e o pequeno vestiam calças jeans e camisetas de malha de algodão, uma azul, outra estampada; um calçava tênis pretos, o outro, botina encarnada. Pai e filho, mesmo com
traços faciais diferentes? Possivelmente: o amor era visível. Os olhinhos puxados do garoto poderiam vir de uma mãe oriental. A exuberância infantil atraía o olhar dos passageiros naquela linha de transporte público da cidade de São Paulo. Além das movimentadas piruetas, o pequerrucho emitia gritinhos vibrantes a cada par de minutos.
O trem solto nos trilhos e a animação do menino me estimularam a fazer um comentário:
- Como seu filho é entusiasmado!

Uma sombra súbita nublou o rosto do homem, nem respondeu. Intrigada, olhei melhor para o guri. Oh... os olhos amendoados, o comportamento impulsivo, os dedos curtos... a ficha caiu.
Creio que o pequeno tinha a síndrome de Down.
(Ó céus...por que não me calo?)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

o sol da meia-noite e a hidrelética de Belo Monte

Irmão Sol, Irmã Lua

Meus dois filhos jamais estiveram tão geograficamente afastados como hoje: a mais velha está na cidade de Tromso, no extremo norte da Noruega – perto do Polo Norte. Vai participar da Maratona do Sol da Meia-Noite que acontece hoje, em pleno círculo polar ártico. Tromso foi a porta de entrada para as expedições que se aventuraram no mundo do gelo e da neve. O explorador Roald Amundsen, primeiro homem a alcançar os polos Sul e Norte, viveu durantes meses na cidade.
Não será fácil, faz frio, e chove.
O mais jovem é um dos engenheiros que está trabalhando para construir a terceira maior hidrelétrica do mundo, em Belo Monte, no Pará, à margem do Rio Xingu – próximo à linha do Equador.
Não é fácil, os alojamentos são espartanos, as jornadas de trabalho são intensas (6 dias por semana, às vezes, sete), é a época da seca, e o calor, escalda.
Estou aqui na torcida -- num saudoso Trópico de Capricórnio.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Que estranho chamar-se Federico



 “Um álbum que reúne fotografias, recortes, flores secas e até mesmo uma mosca imprensada entre as páginas”: é assim que Ettore Scola descreve seu último filme “Que estranho chamar-se Federico”.  O diretor octogenário volta ao passado para contar um pouco de sua infância, sua amizade com Fellini desde o tempo de “artista de jornal” , como a obra do mestre de Rimini esteve presente em toda sua obra e como marcou definitivamente o cinema italiano e  mundial. Filmado inteiramente no Estúdio 5 da legendária Cinecittà, onde  Fellini criou a maior parte de sua obra,  Scola faz um  “retrato cubista” de Fellini.
No início o espectador se depara com o jovem Federico (então com 19 anos) chegando à redação do jornal humorístico romano “Marco Aurélio”, onde não apenas escreveu, mas se tornou “ghost writer” de seus colegas. Cinco anos mais tarde, seria a vez do próprio Ettore chegar à redação com seu portfólio debaixo do braço. Foi assim que começaram a amizade que perduraria pela vida. Ambos tinham o gosto pelo design, frequentavam os mesmos bares e tinham um grande amigo comum – Marcello Mastroiani, o ator predileto desses dois grandes diretores da “italianice”.  Essa convivência permite a Ettore aprofundar o retrato das manias do amigo. Quando tinha insônia Federico entrava em seu automóvel e fazia longos passeios noturnos pelas ruas de Roma em busca de sono e de inspiração, dando caronas a desconhecidos que abordava nas ruas. Em uma das cenas mais emblemáticas entra no carro a prostituta Wanda cujas desgraças lembram a personagem imortalizada pela atriz  Giuletta Massina, em “Noites de Cabíria”.  
Palhaços, mágicos, mulheres de seios fartos, figuras bizarras, os cinco Oscars que Fellini ganhou, tudo é relembrado através de pedaços de filmes, entrevistas, a música de Nino Rota.    Até a capacidade de Federico para reinventar suas memórias, como visto no documentário  “Fellini: sou um grande mentiroso”.  Gostava de contar, por exemplo, que aos 5 anos tinha fugido de casa para se juntar à trupe de um circo o que nunca aconteceu.
Gostei especialmente da montagem no final do filme, feita a partir de imagens das obras-primas de Fellini. Uma homenagem apaixonada que faz o espectador nem tanto “entender” Fellini, mas experimentar um pouco de sua fabulosa imaginação.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Frida Kahlo

O quadro da esquerda - "Autorretrato com vestido de veludo" - foi o primeiro da série feita por Frida Kahlo para contar, através da pintura, um tanto de sua atribulada vida. À época ela estava com 19 anos; fez para o amante, Alejandro Arias. O quadro da direita é o célebre "Autorretrato com colar de espinhos e beija-flor". O olhar de Frida sugere tanto seu sofrimento quanto sua tenacidade - as libélulas e as borboletas ao redor de sua cabeça são símbolos de esperança e renascimento.
O beija-flor pendurado em seu colar é um símbolo mexicano de sorte no amor. No entanto, o pássaro está morto.  Talvez devido à sua atormentada relação com Diego Rivera: ambos tiveram amores extraconjugais e se separaram diversas vezes. Frida teve um caso durante mais de um ano com o revolucionário russo Leon Trostky, enquanto Rivera namorou Cristina, a irmã de Frida. Os dois quadros e outros 40 retratos e autorretratos fazem parte da exposição que está no museu Scuderie del Quirinale, em Roma. Traz ainda uma coleção de fotografias do cotidiano de Frida e fragmentos de seu diário, cheio de ilustrações e mensagens poéticas onde expressa sua vontade de morrer: 
 " Espero alegre a saída e espero não voltar jamais".
Ave, Frida, descansa em paz..

Geraldo Alckmin e a falta d´água em São Paulo


José Mujica, Presidente do Uruguai















"Todo vício é uma praga, menos o amor."

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Viagem para a Sicília

Entrei no ônibus de olho na única cadeira vazia -- o percurso da praia até Palermo levaria cerca de meia hora e as curvas da estrada desequilibram os passageiros que viajam em pé. Sentei defronte uma criatura de olhos pretos que trazia junto aos pés um enorme pacote transparente cheio de bolas de plástico. Um rapaz franzino, de tez morena, vestindo roupas folgadas de algodão branco, parecia um vendedor ambulante. Conversava em língua estranha com pessoas que estavam perto da porta. Ouvi alguém comentar em inglês que eram imigrantes de Bangladesh. Logo depois me levantei para passar meu bilhete na maquininha que fica atrás do motorista e perfura a passagem; quem não toma essa providência arrisca-se a pagar uma multa cara, se o fiscal aparecer. Tentei inserir o bilhete repetidas vezes, a máquina estava emperrada. Notei que o rapaz acompanhava meus movimentos com o olhar. De repente levantou-se, pegou minha passagem, fez outras tentativas mal sucedidas. Pedi o bilhete de volta para ler o que estava escrito. Dizia em letras miudinhas que em caso de enguiço da máquina, o passageiro deveria escrever o dia e a hora do embarque no próprio bilhete. Foi o que fiz, e voltei a me sentar. O rapaz bengalês não teve a mesma sorte, um homem sem cerimônias sentou na cadeira dele sem se importar com as bolas de plástico. A viagem prosseguia sem novidades quando o jovem voltou a se aproximar de mim com o bilhete dele na mão. Parecia aflito. Procurava ultrapassar a barreira da língua com gestos que eu não conseguia compreender. Para complicar, o homem que tomara o assento dele pôs-se a falar comigo em italiano. Dizia-me com veemência para desconsiderar o pedido do rapaz, mal ocultando a raiva. Talvez não gostasse de imigrantes, não sei. Olhei para os olhos do rapaz bengalês – e é este momento que ainda me assombra – os olhos mostravam desapontamento e mágoa. Pareciam dizer “perdi meu assento tentando lhe ajudar e você me deixa na mão?” Imediatamente vi os dois fiscais dentro do ônibus e finalmente entendi o que o jovem me pedia: para escrever a data e a hora no bilhete dele. Não sei se ele não tinha caneta ou se não sabia escrever. Rabisquei a data apressadamente, um pouco antes dos fiscais pedirem nossas passagens para conferir – deu tudo certo. O rapaz se afastou para o fundo do ônibus. Quando descemos na parada final ainda fiz um gesto de aproximação. Ele me olhou como se nunca me tivesse visto, voltou-se e começou a andar na direção contrária carregando o pacote com as bolas de plástico.

"Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho"

Lá fora, na Avenida, a parada gay bombava a tarde fresca e ensolarada. No vagão do metrô eu percebera um frenesi, uma alegria inesperada. Quando saltamos na estação Brigadeiro, um grito uníssono, uma agitação boa. Pensei que estava no meio de um "rolezinho"; sem ler jornais recentes não sabia que era a data da parada. Só então percebi as roupas de festa, os pares do mesmo sexo. Animada, fiquei andando pelas frestas da procissão até cansar dos sons e dos sapatos altos. O casal mais interessante que vi era formado por duas mulheres magrinhas, de olhos amendoados e cabelos grisalhos. As amantes japonesas, que lindas.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (Guimarães Rosa)
As portas de vidro estavam abertas; depois, julguei ter visto o verso de Dante escrito em tinta invisível
"Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”
Peguei a brochura "Zuleika" com a moça do guichê da recepção; disse-me que a exposição da Zuzu Angel é a mais freqüentada desde a inauguração do Espaço Itaú Cultural, nove anos atrás.
Estilista famosa, inclusive no exterior, inventou uma moda brasileira.
Mãe-Coragem.

Além do acervo estético, deixou um destemido grito, dedicando os últimos anos de sua vida à denúncia da morte de seu filho, Stuart Angel, assassinado pela ditadura militar no Galeão, num ritual de martírio atroz. Até ser jogada fora do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, pelos irmãos dos que torturaram e mataram seu filho e sua nora. Hoje o túnel traz seu nome.
Para ela, Chico Buarque compôs uma canção tão triste quando bela, "Angélica"

Quem é essa mulher
que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
que fez o meu filho suspirar.

Essa mulher fez o horror da ditadura repercutir em seus desfiles, em cândidos bordados aplicados nos longos vestidos brancos. Bordados de tanques-de-guerra, passarinhos engaiolados, janelas de cadeia, e armas, tudo finamente dedilhado.
Demorei para entender o recado fashion.
Três mortes, na mesma família.
Três atrizes liam as cartas da Zuzu, em diferentes espaços da exposição; ou faziam performances.
Chorei, não pude evitar.
É a nossa história, brasileira, argentina, chilena; a história da minha geração, a estória do Cláudio, a história que ainda não está nos livros.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Viagem para a Toscana

Decidimos passar o domingo da Páscoa em San Gimignano, uma cidadezinha conhecida como "Manhattan medieval"  por causa de suas torres. Como os ônibus estavam parados no feriado, tomamos um trem até a cidadezinha de  Poggibonsi, e um táxi para os últimos 12 kms até San Gimignamo. O vilarejo é bonito como um querubim, a quintessência da Toscana. A catedral com afrescos, jardins floridos, oliveiras, ruas espiraladas, obras de arte raras. Na hora do retorno, um sufoco inesperado. Nenhum táxi disponível, a cidade coalhada de turistas! Horas procurando. A tarde caindo, o frio chegando, começamos a pedir carona aos estranhos dos estacionamentos, sem sorte. Uma americana grávida teve pena de nós, pediu ao marido para nos levar até Poggibonsi; ele não topou. Pedi ajuda aos policiais que organizavam a pequena multidão turística - bem que eles tentaram, fazendo telefonemas, sem sucesso. Dois motoristas de ônibus fretados também telefonaram para seus conhecidos : ninguém. A gente já estava pensando em procurar hotel só com a roupa do corpo e conformar com a perda das passagens de trem para Bolonha na manhã seguinte. Desolados e cansados, sentamos num banco, foi nessa hora que surgiu o mesmo táxi que havia nos trazido - e livre! Depois do táxi ainda tivemos a sorte de pegar o último trem para Siena. Deu para chegar no hotel da Piazza Lizza, com a noite bem avançada.
Estou começando a sentir uma saudade de casa...!