quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Madame Bovary, um livro que toda mulher deveria ler

 Emma Bovary, eis a mulher saída da imaginação de Gustave Flaubert para se tornar uma lenda literária, heroína de uma história aparentemente banal sobre um casal francês onde o marido é apaixonado e a mulher fútil, morta de tédio -- e adúltera. O fascínio exercido pela personagem é tão  espesso que a descrição de seus estados de espírito gerou o termo "bovarismo" para indicar  uma doença da alma que torna o ser humano incapaz de lidar com a realidade de frente -- e de ter senso crítico sobre os erros cometidos.
Era uma morena bonita, de cabelereira lisa e longa; quando soltos, os cabelos chegavam às pernas. Tinha lábios carnudos -- que costumava mordiscar --, as faces rosadas, grandes olhos negros, nariz correto e "andar de passarinho". Educada em colégio de freiras, aprendeu  desenho, geografia, dança,  tapeçaria piano. Foi no convento que ganhou de uma amiga os romances sentimentais que contribuíram para sua patologia.
Emma passou a sonhar e respirar com "amores, amantes, mulheres perseguidas e desmaiando em locais solitários, bosques sombrios, males de amor, juras, soluços, lágrimas e beijos, homens fortes como leões, suaves como cordeiros, virtuosos como nunca se é, sempre bem vestidos e que choram como bebês."  Essas fantasias marcaram seu temperamento e viria a influenciá-la pelo resto da vida.  Como bem diz Flaubert -- Emma imaginava-se vivendo em algum velho palacete "como as castelãs de longos corpetes, que sob o trevo das arcadas passam os dias com o cotovelo na pedra da janela e o queixo apoiado na mão, olhando ao fundo da paisagem, para ver se do campo chega algum cavaleiro com uma pluma branca no chapéu, galopando um corcel negro”.   

Quando Emma conhece Charles Bovary, o médico com quem se casaria, sua mente está cheia de ilusões --  anjinhos de asas fofas, flores, lagos e gondoleiros.  Acredita que terá uma vida glamurosa de esposa de médico, mas o tempo a joga numa tediosa rotina de cidade do interior. Para tentar fugir do tédio, da decepção e da vida real que em nada se assemelha aos sonhos, Emma encontra o alívio e a perdição no consumismo desenfreado, nas aventuras extra-conjugais e na imitação de uma vida que não pertence a ela
 Na verdade, Charles é um homem insípido, quase um parvo, de conversa rasa, incapaz de provocar emoção, riso ou sonho. Nada parece interessá-lo. Os devaneios da mulher são exarcebados quando o casal é convidado para um baile na mansão de um aristocrata rural.

Ali ela sente "o roçar da riqueza".  Seu desejo pelo luxo é despertado - comprou um mapa de Paris e "com a ponta do dedo deslizando sobre ele, fazia compras na capital." Sabia das peças teatrais em cartaz, as novidades do consumo, as festas, o endereço dos costureiros da moda...  O primeiro amante, Rodolphe, um aristocrata acostumado às paixões age como o perfeito canalha.  Ele a explora sem o menor escrúpulo -- desejava apenas sexo e desde o início já se preocupara em como se livrar dela depois de alcançar seu objetivo. 
Madame Bovary é a vitrine onde Flaubert coloca um  catálogo das doenças da modernidade. Cada vez que seus planos são contrariados pela realidade ela fica doente de  torpor, calor, palpitação.. Fica deprimida, mente, e mostra uma ponta de maldade. Não se interessa pela única filha, tem febre cerebral, enxaqueca e insônia. Torna-se uma consumidora descontrolada, cobre-se de dívidas, colocando a família em abismo financeiro.  
Por meio da personagem, Flaubert apresenta dois aspectos de sua época que considerava proeminentes -- o tédio e a estupidez. Para o escritor, existem dois tipos de tédio: o comum, do qual todos sofremos por vezes, e o tédio moderno, típico de um mundo em progresso que oferece distrações fictícias. Da estupidez, nem Emma nem qualquer personagem do romance escapa... Ela não se dá conta da loucura de seus desejos e não faz nada para melhorar sua própria vida ou tentar compreender seu comportamento.
A história -- é claro -- não acaba bem.