domingo, 24 de março de 2013

Pintura: Manet

"Boating" , Edouard Manet


Manet pode ser considerado como o último pintor da tradição e o primeiro entre os modernos da pintura francesa. Escolheu tornar-se artista, e não seguir os passos do pai e avô na carreira do Direito. Antes disso, e mesmo sem ter vocação para a Marinha, tentou a carreira naval embarcando num navio mercante que passou pelo Brasil onde ficou interessado pela natureza e cultura exótica, pelas mulheres. Sentiu horror à escravidão.
Está inserido  num dos  movimentos artísticos mais charmosos e divulgados da História da Arte --  o impressionismo, aquele tipo de pintura que, ao mostrar uma parte qualquer do mundo procura mostrar também como esta parte do mundo está sendo absorvida pelo pintor. Isto é, como o pintor é afetado pelas impressões de luz em sua retina e como ele tenta "segurar" na tela o efêmero dessa percepção, sem necessidade de congelar a cena na forma perfeita.  Os espertos de pintura encontram traços da  influência de Gustave Corbet na obra de Manet.
 Corbet  era um pintor da escola realista, que observava o ordinário, o banal do cotidiano  –  e pretendia simplificar os modos do pintor descrever e interagir com o mundo. 
"Mulheres peneirando trigo", óleo de Gustave Courbet (1855)
 A tela das mulheres trabalhando com o trigo é um bom exemplo do  estilo realista de Courbet. Ao contrário do gênero romântico, a pintura não busca a perfeição da linha e da forma: mostra paredes sujas, o tédio da mulher de vestido cinza, o cabelo desgrenhado do rapaz...
Diz-se que as modelos da pintura são as irmãs de Courbet, Zoe e Julieta, e o menino é o seu filho ilegítimo.
'Música no Jardim das Tulherias", 1862
Um aspecto que salta aos olhos na tela acima é o interesse de Manet em capturar o turbilhão da vida moderna. Ou seja, o tititi da sociedade burguesa, a cacofonia  de sons e cores, a variedade de pessoas e circunstâncias com que se depara o habitante da cidade moderna.
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"A estrada de ferro", Edouard Manet 1873
 O herói desta tela -- um  herói moderno -- é o trem a vapor.  
"A estrada de ferro é um poema sobre a velocidade contemplada com calma. Não conheço nenhum quadro do século XIX que celebre a modernidade tão cabalmente como este" (FRIEDRICH, Otto em Paris no tempo dos impressionistas).
Manet, na realização de A estrada de ferro conseguiu captar o fascínio em relação ao trem, um dos maiores símbolos do progresso do século XIX. Vemos aqui duas figuras, uma mulher sentada próxima aos trilhos da linha férrea e uma criança, talvez sua filha.  Duas figuras do povo, comuns, interagindo com uma grande invenção tecnológica da época ao contrário de épocas passadas quando somente as classes superiores tinham contato com os avanços da indústria e da tecnologia. A difusão é propiciada pelo surgimento dos grandes centros urbanos e pela crescente interação entre as classes. No novo entorno urbano,  estratos sociais múltiplos se misturam ao acaso. O novo ambiente é mediado pela indústria e pela tecnologia. Vale notar que Manet não está mostrando uma confluência pacífica entre as classes, um todo harmônico. O que ele mostra é um tipo de reconhecimento sóbrio  de como, na cidade moderna  as pessoas roçam e se confrontam umas com as outras do mesmo modo que se confrontam com o (novo) ambiente.
"O almoço sobre a relva", Edouard Manet
 Vemos aqui a irreverência de Manet  com outra sutileza da sociedade em que viveu. Ele introduziu uma pegada burguesa numa cena pastoral -- cuja composição segue o ideal  de perspectiva da Renascença. Representa homens de classe média levando prostitutas, talvez, ou cortesãs, para uma farra sexual no parque, numa espécie de piquenique que não era considerado exatamente como o domingo no parque de uma família. A cena adquire um tom que não era geralmente colocado para o consumo público. A tela chocou a classe média e abastada que frequentava as exibições de arte, principalmente o olhar da mulher nua ao lado dos vestidos cavalheiros: ela encara o espectador, passando um sentimento de que estamos sendo observados -- e não apenas observando. E sentimos que a obra de arte está chamando a nossa atenção para o seu status de pintura, de representação da realidade, ao invés da ilusão de que se olha para o mundo. Ela perturba nossa expectativas realistas.   A mulher nua que nos encara é uma forma de lembrar seu status de pintura e não uma janela para o mundo onde o espectador poderia ter a ilusão de estar observando a realidade.


É a dimensão reflexiva da pintura: dobras da arte.

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