quarta-feira, 4 de julho de 2012

O valor dos livros

"O filósofo lendo" tela de Jean-Baptiste Chardin, 1734
Em tempos de FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, a leitura, as palestras, os colóquios e debates têm preenchido meu tempo completamente. Para comentar esta atividade tão gostosa e enriquecedora -- a leitura -- trouxe para cá este artigo escrito por um professor de literatura (blog "O magriço cibernético) onde ele comenta este quadro de Chardin.
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"O primeiro elemento que deve merecer destaque é a roupa do leitor. É importante notar que ele usa uma vestimenta formal, como se tomasse parte de um cerimonial, de um culto. Tanto que porta um chapéu, o que transmite, no contexto, um ar sagrado ao ato que está realizando. Reforça ainda essa atmosfera solene a expressão compenetrada da personagem, o seu alheamento em relação ao que a cerca, além do silêncio que domina o ambiente. Todos esses ingredientes nos ensinam que a leitura é um ato sério, de concentração quase sagrada, pois só assim alcançará eficiência. Infelizmente, são elementos que estão se tornando raros nas gerações atuais, extremamente dispersas e desfocadas. Dominar essas habilidades, portanto, garante uma enorme vantagem diante da mediocridade que impera o pensamento atual.
O segundo elemento importante é a ampulheta, no canto inferior esquerdo do quadro. Ela instala um interessante e poderoso paradoxo. A começar, esse instrumento, que representa a brevidade do tempo humano, se for deitado, vai lembrar o símbolo do infinito. Efemeridade e perenidade em um mesmo objeto. A conjunção dessas qualidades opostas coloca em foco grandes questões ligadas à leitura. A primeira é a de que o tempo que escorre, o qual marca tanto o fluir da vida do leitor quanto o da leitura, evoca a grande e prazerosa angústia do intelectual – a incompatibilidade entre o tanto que se quer ler e o pouco de tempo que se tem de vida para isso.
Outro ponto interessante nesse aspecto temporal é o diálogo entre eterno e passageiro na relação entre o leitor e a leitura. O homem tem uma existência breve, ainda mais quando comparado com a duração das ideias que são veiculadas por um livro. Entretanto, é esse bicho da terra tão pequeno e efêmero que, por meio da degustação de um texto, acaba dando eternidade ao que está em uma publicação. Em suma, esta é superior ao homem, pois o supera em durabilidade; entretanto, essa superioridade só é possível pelo fato de existir alguém, ainda que fugaz, que leia esse volume.
Por fim, o terceiro elemento que merece destaque é o bico de pena que se encontra ao lado da ampulheta. Ele revela que o leitor não assume uma postura passiva de mero receptáculo do que é apresentando pelo livro. Muito ao contrário disso, sua atitude é ativa, pois demonstra uma disposição a fazer anotações, a concordar, a discordar, a resumir, a acrescentar. Ratifica o postulado de que um intelectual lê escrevendo. A verdadeira leitura se faz com escrita. Quem lê bem escreve bem. Quem escreve bem lê bem. Impossível admitir o contrário.
A aceitação de todos esses elementos expostos aqui – nunca é demais repetir – é condição essencial para que a leitura se realize de maneira eficaz, contribuindo para o desenvolvimento do homem em sua plenitude cognitiva e afetiva."

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