segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Frank O'Hara e a morte de Billie Holiday



Frank O'Hara
os poetas de Gana
Frank olha o mostrador do relógio: é meio dia e vinte do dia 17 de julho de 1959 em New York. Naquela época, ele, Frank O’Hara,   era um poeta de prestígio.  Autor de estilo casual, gostava de escrever poesia na hora do almoço   (Lunch Poems é um livro seu – Poemas da hora do almoço). Ia empilhando frases de ações cotidianas – “fiz isto, fiz aquilo outro” – uma após outra. Assim, nos diz que adquiria um leve bronzeado enquanto subia a rua mormacenta, à procura de um engraxate. Ia pegar o trem das 4:19 e desembarcar às 7:15 em East Hampton – um lugar cheio de prováveis ricos esnobes. Melhor chegar lá com os sapatos engraxados. A voz que nos fala no poema pertence a alguém acostumado a encontrar portas abertas – tanto que nem sabe quem serão os anfitriões.  Come um hamburger acompanhado de milk-shake de chocolate.  Compra uma revista literária, a NEW WORLD WRITING, para ler os que os poetas de Gana estão produzindo. Vai ao banco e fica surpreso quando a mulher do caixa desconta o cheque sem checar seu saldo.  Prossegue até uma livraria, quer levar presentes para alguns amigos – provavelmente outros convidados, uma vez que deixou claro desconhecer os donos da casa onde terá a ceia.   Para alguém chamada Patsy ele compra um livro de poemas de Verlaine com gravuras do pintor Bonnard.  Para Mike ele leva  uma garrafa de um sofisticado licor italiano que achou em Park Lane, um endereço caro de New York. Dá a volta e entra na tabacaria. Lá dentro ele vê a fotografia da cantora Billie Holiday na primeira página do jornal –  a notícia da morte dela. O nome de Lady Day não aparece no poema – sabemos que é Billie pela citação do nome do pianista que a acompanhava – Mal Waldron.
tela de Pierre Bonnard - Mulher com papagaio
Começa a suar de tristeza – ou talvez seja o calor. Recorda a última vez que a ouviu cantar -- num clube noturno em voga à época – o 5 Spot.   Ele estava encostado na porta do banheiro embevecido com a voz sussurrante de Billie que cantava ao dedilhado do piano até deixar todo o público sem ar inclusive o poeta e o pianista
(abaixo, o poema propriamente dito, tradução de Ruy de Vasconcellos  (Revista Zunái)

O DIA EM QUE A DAMA MORREU 
É 12:20 em Nova York, uma sexta
três dias depois da queda da Bastilha, sim
é 1959 e ando atrás de um engraxate
porque vou desembarcar do 4:19 em Easthampton
às 7:15 e então vou logo jantar
e não conheço as pessoas que vão me dar de comer 
Caminho pela rua mormacenta abrindo-se ao sol
Peço um hambúguer e um maltado e compro
um horrendo NEW WORLD WRITING  para ver o que
poetas em Ghana estão fazendo esses dias
                                                 e vou ao banco
e a Senhora Stillwagon (primeiro nome Linda, ouvi uma vez)
sequer confere meu saldo pela primeira vez na vida
e no GOLDEN GRIFFIN consigo um Verlaine fino
para Patsy com desenhos de Bonnard, embora tenha
pensado em Hesíodo, trad. Richmond Lattimore, ou
a nova peça de Brendan Behan, ou Le Balcon ou Lê Négres
de Genet, nada disso, insisto no Verlaine
depois de praticamente adormecer de dúvida 
e para Mike só avanço pela loja de destilados da
PARK LANE e peço uma garrafa de Strega e
logo retorno de onde eu viera, 6ª Avenida
para a tabacaria do Teatro Ziegfeld e
distraído peço um maço de Gauloises e um maço
de Picauyunes e um NEW YORK POST com o rosto dela  

e estou suando em bicas agora e pensando em
recostar-me ao pórtico do 5 SPOT
enquanto ela sussurrava uma canção ante o piano
para Mal Waldron e todo mundo e eu parávamos de respirar 

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