quinta-feira, 22 de maio de 2014

"Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho"

Lá fora, na Avenida, a parada gay bombava a tarde fresca e ensolarada. No vagão do metrô eu percebera um frenesi, uma alegria inesperada. Quando saltamos na estação Brigadeiro, um grito uníssono, uma agitação boa. Pensei que estava no meio de um "rolezinho"; sem ler jornais recentes não sabia que era a data da parada. Só então percebi as roupas de festa, os pares do mesmo sexo. Animada, fiquei andando pelas frestas da procissão até cansar dos sons e dos sapatos altos. O casal mais interessante que vi era formado por duas mulheres magrinhas, de olhos amendoados e cabelos grisalhos. As amantes japonesas, que lindas.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (Guimarães Rosa)
As portas de vidro estavam abertas; depois, julguei ter visto o verso de Dante escrito em tinta invisível
"Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”
Peguei a brochura "Zuleika" com a moça do guichê da recepção; disse-me que a exposição da Zuzu Angel é a mais freqüentada desde a inauguração do Espaço Itaú Cultural, nove anos atrás.
Estilista famosa, inclusive no exterior, inventou uma moda brasileira.
Mãe-Coragem.

Além do acervo estético, deixou um destemido grito, dedicando os últimos anos de sua vida à denúncia da morte de seu filho, Stuart Angel, assassinado pela ditadura militar no Galeão, num ritual de martírio atroz. Até ser jogada fora do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, pelos irmãos dos que torturaram e mataram seu filho e sua nora. Hoje o túnel traz seu nome.
Para ela, Chico Buarque compôs uma canção tão triste quando bela, "Angélica"

Quem é essa mulher
que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
que fez o meu filho suspirar.

Essa mulher fez o horror da ditadura repercutir em seus desfiles, em cândidos bordados aplicados nos longos vestidos brancos. Bordados de tanques-de-guerra, passarinhos engaiolados, janelas de cadeia, e armas, tudo finamente dedilhado.
Demorei para entender o recado fashion.
Três mortes, na mesma família.
Três atrizes liam as cartas da Zuzu, em diferentes espaços da exposição; ou faziam performances.
Chorei, não pude evitar.
É a nossa história, brasileira, argentina, chilena; a história da minha geração, a estória do Cláudio, a história que ainda não está nos livros.


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