domingo, 23 de março de 2008

Laurent, Bichinho - Minas Gerais

Bichinho fica a seis quilômetros de Tiradentes, mas ninguém diz. Parece ciúme. Sorte que escutamos uns sussurros no restaurante. Bichinho só tem uma rua, de terra batida, toda ornada de um tipo de artesanato dos mais criativos de Minas.

Queríamos ver tecidos feito em tear, tapetes, colchas.

“Aqui tem um francês que faz tapetes, mas só vende pra estrangeiro.”

“Mora aonde?”

“Lá pra dentro daquele mato, mas não se sabe se está. Viaja muito, é um tipo esquisito.”

Mora lá há 20 anos, chama-se Laurent, de origem argelina, e pelo que percebemos, envolto em mistério. Ninguém no povoado sabe muito sobre ele. As mulheres lembram dele quando jovem, galopava em cavalo árabe, com turbante no cabelo, os olhos azul-piscina. Sabe-se ainda que é mestre em yoga e nas massagens orientais. Houve uma época de fama, massageava a Globo, o Caetano.

Na entrada da chácara, a cancela. Hesitação. Afinal entramos, desconfiados. Lá na frente, uma surpresa: três casas grandes numa clareira da mata, pequenos castelos com telhados de mandarim, e uma matilha de vira-latas. Achamos o caseiro, estava com uma mulher jovem e vesga. Entramos. Laurent estava trabalhando com lanternas de vidro envoltas em papel com ideogramas chineses. Para colocar no pedaço de mata que ele replantou.

Gentil, mostrou-nos seu ateliê: um museu. Na entrada, três teares indianos enormes, quase totens. Inicialmente lacônico foi pegando gosto na conversa e mostrando os tesouros. Os tapetes eram de tirar o fôlego: kilins lindíssimos, elaborados tapetes de seda. Os instrumentos de tecelagem eram pequeninas obras de arte. Sabe muito sobre tapeçaria, viveu anos e anos como o Laurent da Árabia, em tendas nos desertos, em aldeias, muitas fotos da época, histórias de Sherazade.

O preço dos tapetes, realmente era fora de alcance: o mais baratinho custava 3 mil dólares, chegando a dez, doze mil.

Havia ainda dúzias de livros sobre tecelagem, mitologia, yoga, meditação, comida. A coleção de jogos de louça para o ritual da cerimônia do chá, pratinhos pintados à mão, enfeites delicados, instrumentos musicais exóticos, o Oriente se esparramando em Minas Gerais, uma caixa de Pandora às avessas.

Na mata, o jardim de ervas e chás, a irrigação criativa, as árvores corta-ventos, o local do futuro lago. Laurent é um mestre na vida, sabe fazer de tudo com as mãos: elas passeiam pela suavidade dos tecidos, passam pelo calor dos corpos sendo massageados e se transferem naturalmente para os tratos com a terra, para o preparo dos alimentos.

Para nossa surpresa convidou-nos para almoçar. E como refeição de francês é aquela deliciosa lerdeza, acabamos saindo de lá bem tarde. Não sem antes esbarrar na paranóia do Laurent: o motivo, talvez, de seu isolamento. Disse-nos, em tom conspiratório, que estão cavando um enorme túnel subterrâneo – “a mineradora do coronel Daniel” – com maquinário feito de urânio. O barulho, segundo ele é azucrinante. É preciso por tampões nos ouvidos. A mulher dele – uma do cabelão batendo na bunda – confirmando tudo. Pede pra gente escutar o “barulho” que está levando-o à loucura. Nos esforçamos muito, mas não ouvimos nada.
Mas quando retomamos a viagem, toda noite antes de dormir, a gente escutava um barulhinho em baixo da terra. Ficou assim um tempão, depois passou.

Nenhum comentário: