segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Rede Furada: três momentos

foto de Liana Lessa
Na metade do dia, precisei sair para comprar cebolas no mercadinho da rua principal.  Como é usual nas aldeias, parei na rua de chão batido para conversar três minutos com uma mulher que estava pelas redondezas -- uma nativa de Santo André com quem simpatizo abertamente. No meio da trivialidade, ela me falou sobre sua mediunidade: como surgem os primeiros sinais, o que acontece com o corpo dela e com a mente. Falou-me com simplicidade e naturalidade, não queria me convencer, nem pediu para eu acreditar: só queria dizer.
Ouvi atentamente, encantada com aquele risco do sagrado no meu cotidiano.
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"O cavalo de Turim"                                  
Filme dirigido por Bela Tárr, cineasta húngaro
Vencedor do grande prêmio do júri em Berlim (2011)
A introdução é feita por um narrador em off que explica a origem do título assim:
"Em Turim, em 3 de janeiro de 1889, Friedrich Nietzsche sai do imóvel da Via Carlo Albert, número 6. Não muito longe dali, o condutor de uma carroça de aluguel está tendo problemas com um cavalo teimoso. O cavalo se recusa a sair do lugar, o que faz com o que o condutor, apressado, perca a paciência e comece a chicoteá-lo. Nietzsche aparece no meio da multidão e põe fim à cena brutal, abraçando o pescoço do animal, em prantos. De volta à sua casa, Nietzsche então permanece imóvel e em silêncio durante dois dias estendido em um sofá, até que pronuncia as definitivas palavras finais: “Mãe, eu sou um idiota”. E vive por mais dez anos, mudo e demente, sendo cuidado por sua mãe e suas irmãs. Não se sabe que fim levou o cavalo”.
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Meu tipo de filme! De ficar sem fôlego. Não recomendado para quem não gosta de preto-e-branco, planos longos, ritmo lento. Cinema é imagem, parece frisar o diretor. Sabe quando uma obra de arte é ambiciosa? E com lastro para sustentar a ousadia? 
Pois é. 
Só para mencionar alguns temas tratados:  o tempo, Deus, a morte de Deus, a natureza (um vendaval açoita a casa e o celeiro incessantemente), a impiedade, a desintegração aparecendo contraditoriamente nos cupins que pararam de devorar, no cavalo que se recusa a comer, na cisterna vazia. Apesar de todos os sinais que o caos se avizinha, o pai e a filha, personagens sem nomes, prosseguem em seu exaustivo cotidiano -- ambos trabalham como cavalos, quem para de puxar a carroça é o animal -- sem entender que o destino deles foi decidido longe dali...
Gostei especialmente da direção de arte e dos próprios atores. O cenário é praticamente o mesmo durante os 146 minutos do filme: uma casa de pedra, o interior da casa, o inóspito ambiente externo, desolado e isolado. A beleza das cenas repetitivas mostrando as refeições (uma batata cozida para cada um), os objetos de mesa, pratos, canecas, as garrafas de vidro do aguardente.  A iluminação é primorosa, realça os claros do escuro e viceversa, cria textura nas paredes, nas roupas: um esteta este Bela Tárr, viu? Como não há muitos diálogos, o que é mostrado parece afirmar "não se passa nada".  E no entanto o fim do mundo se aproxima... 
Que visão pessimista, Deus nos livre. Belíssima, porque mostra a arte seguindo adiante, sempre esticando seus limites.  Há um novo tipo de cinema rodando o mundo...
Gostei tanto que estou baixando outro filme do mesmo diretor: "O homem de Londres"
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Este blog está se acabando... Um novo ciclo  de vida se anuncia; e exigirá dedicação plena...  A redatora do blog vai se retirar de mansinho deixando fragmentos escritos e imagens que procuraram expressar a experiência de viver 5 anos num povoado diferente do Sul da Bahia. 
Sua benção, Santo André!
Voltaremos (a rede e a redatora) a aparecer quando sobrar tempo e disposição ... Preciso, antes, dizer duas coisas:
1. um muito obrigada carinhoso a cada pessoa que passou por aqui, especialmente àquelas que deixaram comentários - e às próximas que virão porque encontrarão por muito tempo a palavra "Santo André" ligado às páginas do "Rede Furada" ... lá no Google.
2. preciso confessar que a redatora, na realidade, nem está aposentada, nem é velhinha... pela primeira vez coloco uma foto minha de verdade no blog, essa morenaça aí em cima, rsrsrsrs...
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Li num livro de ensaios: Kierkegaard afirmava que a mais profunda seriedade deve expressar-se através da ironia.

7 comentários:

verazippin disse...

li agora teu comentário q maura comentou no FB!!! vc sabe o meu pensamento e acredito q da maioria da comunidade... mas ciclos são ciclos e quem somos nós tentar mudar a história de cada um. fica aqui o prazer de ter conhecido vcs, o prazer de ter convivido, o prazer de conhecer o rede furada tb. q D'us continue a iluminar a passagem de vcs c saude, paz, alegria, bons amigos, pessoas queridas em volta, prosperidade e tudo de melhor q se pode desejar p pessoas q como vcs só acrescentam e só acrescentaram ao Santi. bjuuuux

m.Jo. disse...

Às vezes a gente despendura a rede, manda lavar, guarda por uns tempos e um belo dia acorda com saudade e pendura de novo. Não pode ser este o caso? Um intervalo?

olimpia disse...

Caras "meninas": muito obrigada pelas palavras carinhosas e incentivadoras...
Vocês duas fazem parte da rede.
bjks!

Jussara disse...

Puxa, que pena. Gosto muito do blog, que leio pelo Google Reader. Vai fazer um ano que eu o descobri.
Mas boa sorte na sua nova etapa e nesse novo caminhar. :)

Anônimo disse...

Vá não...
Lendo o Rede Furada aprendi muito em arte e literatura, visse? E foi através de você que eu conheci uma das pessoinhas mais admiráveis da face do universo, a Ana Luiza. Ciclos se fecham é certo, mas agora eu vou reler todo o blog, e esperar você voltar a escrever. Pena eu não haver dito isso antes...
Abraço forte,
da nordestina
Vera Sabino.

olimpia disse...

Cara Vera Sabino:

Seu comentário é um conforto! Feliz de saber que alguém curtiu os posts sobre cinema ou literatura...
E você conheceu a Ana Luiza...
Pôxa, Vera...
Um abraço forte e muito obrigada!

olimpia disse...

Cara Jussara:

Pensei que havia respondido o seu comentário em tempo hábil... e só agora percebi a minha falha...
Muito obrigada por todos os comentários que você postou... é uma atitude que todo blogueiro a-m-a
Tudo de bom, Jussara!