sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Carta a D. – História de um amor


 
Faz pouco tempo, uma sobrinha emprestou-me um livrinho de cem páginas intitulado “Carta a D. – História de um amor.” 
O livro me fisgou desde o primeiro parágrafo, deu vontade de ler todo de uma vez.
Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.”
Fiquei interessada na história deste casal excepcional, fui pesquisar e gostei do artigo que achei na revista literária Polichinello (aqui é uma síntese da matéria de Juan Forn).
-------  (Gorz e Dorine, quando jovens) 
O homem escrevia esta carta-testemunho para sua mulher, noite após noite, enquanto ela dormia no andar de cima de uma casinha no meio do arvoredo, no povoado de Vosnon, no centro da França.  Eram André Gorz e sua mulher, Dorine. Menos de um ano depois, em 24 de setembro de 2007, a polícia chegou àquela casa alertada por um cartaz pregado na porta onde se lia
Avisar à Polícia
 Encontraram o casal morto, lado a lado na cama matrimonial – haviam se suicidado com injeção letal dois dias antes, porque Dorine estava acometida de doença incurável e segundo o próprio Gorz “não seria possível para ele viver um segundo sequer nesse mundo sem a presença e a companhia dela”. 
Ao lado da cama, um bilhete escrito à mão para a prefeita da cidade:
“Querida amiga, sempre soubemos que queríamos terminar nossa vida juntos. Perdoa a ingrata tarefa que te deixamos.”
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André Gorz era um judeu austríaco “completamente desprovido de interesse, não tem um centavo”, nas palavras dele.  Nasceu em Viena em 1923, filho de um negociante de selos judeu. Mudou-se para Paris em 1949 integrando-se ao mundo intelectual da capital francesa; foi um dos criadores da prestigiosa revista “Le Nouvel Observateur” ; tornou-se o pai da ecologia política e teórico anticapitalista.  Antes estudara na Suíça, onde conheceu a inglesa Dorine. Ela trabalhava com teatro e aguardava a chegada de outro homem, um inglês, para casar, mas apaixonou-se por Gorz e foi morar com ele em Paris. Ali trabalhou como pode: foi guia de uma escritora britânica, posou como modelo vivo, recolheu papel usado para vender por quilo. Mais tarde o casal se tornou íntimo de Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir; em uma época Sartre esteve apaixonado por Dorine; e também Marcuse. Ela sempre optou por Gorz que lhe valorizava e dedicou-lhe linhas assim
 “Nossas relação se transformou no filtro pelo qual passava minha relação com a realidade. Por momentos, necessitei mais de teu juízo do que do meu”.
Ele também a preferiu: duas vezes mudou literalmente de vida por influência de Dorine. A primeira foi aos quarenta anos, quando ela descobriu que havia contraído uma doença incurável por culpa de uma substância que lhe haviam injetado para lhe fazer radiografias.

A segunda vez foi aos sessenta anos, quando Gorz decidiu se aposentar antes do tempo para se dedicar por completo a Dorine, fazendo coisas que ela já não podia fazer
Lavro seu jardim. Você me assinala da janela do quarto de cima em que direção seguir, onde necessita mais trabalho”.

Quando terminou de escrever aquela carta, subiu pela última vez aquelas escadas e se encostou para sempre naquela cama, junto à mulher com quem havia partilhado, dia após dia, sessenta anos seguidos, desde aquela noite na Suiça.
quadro de Lucien Freud
Lá fora está escuro. Estou tão atento a sua presença como quando começamos. Vejo sua respiração, minha mão lhe acaricia. No caso de ter uma segunda vida, oxalá a passemos juntos”. 

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