sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Santo André: o espírito do lugar (mini-série)


O verão está batendo à porta e as festas do final de ano se aproximando. Na cidade onde moro está previsto que este ano não será igual àquele que passou. Tudo indica que as festas de réveillon atrairão um público expressivo, de centenas de pessoas vindas dos grandes centros, principalmente de São Paulo.
Quem mora ou freqüenta a povoação sabe a controvérsia que este fato vem gerando.
Os comentários que o blog vem recebendo, mais os emails que tenho lido -- além das conversas com os moradores – tem me feito pensar mais detidamente sobre a identidade da Vila de Santo André, este lugarejo baiano onde meu marido e eu aportamos três anos atrás, juntamente com o caminhão de mudanças cheio de cadeiras, pratos, esperanças e sonhos.
Faz parte da natureza humana tentar entender o lugar que habita. Sou oriunda da cultura urbana das grandes cidades; naturalmente me deparei com diferenças significantes de modus vivendi ao me mudar para um povoado bem pequenino. Poderia ser uma lista minuciosa: limitar-me-ei, todavia, a destacar àquelas que considero mais expressivas.
Tempo e espaço
As categorias clássicas: é o que a gente logo busca apreender em um ambiente novo ou quando vemos um filme, lemos um livro ou observamos uma pintura. Falo do tempo humano, claro. O mito do baiano lento tem lá suas razões: onde moro, pouca gente usa relógio e a pressa excessiva, a afobação, não consta, necessariamente, do cotidiano. Pelo deslocamento do sol dá para a gente ter uma idéia da hora, os compromissos podem ser facilmente realinhados – tudo é muito perto. Na verdade, observamos o vento e a chuva com mais atenção, porque deles dependem atividades praianas como a pescaria, os esportes aquáticos, a caminhada à beira-mar, a chegada dos turistas... Fazer as coisas do dia-a-dia devagar é uma delícia – agradeço à vida por (finalmente) poder me dar este luxo, depois de décadas frenéticas.
O espaço é encantador: moramos numa espécie de Mesopotâmia – 50 kms separam o rio João de Tiba (ao Sul) do rio Jequitinhonha (ao Norte, em Belmonte). Uma grande enseada se desdobra ao olhar, com ilhas e arrecifes. A vegetação é linda e – a grande diferença de Brasília – o Oceano Atlântico é nosso vizinho ao Leste. Viver encostado ao mar é uma situação cantada em prosa e verso. Hoje em dia com as mudanças climáticas ocorrendo até acho perto demais: qualquer subidinha de mar vai nos colocar dentro de um aquário.
Transporte
Morei décadas em Brasília, uma cidade onde a necessidade de se locomover de carro é assustadora. Largas avenidas, grandes distâncias, transporte coletivo precário, fazem com que as pessoas se esforcem para ter automóvel – é quase uma extensão de nosso corpo.
Em Santo André, nosso carro único agora cria teias de aranhas. O transporte mais comum são os próprios pés ou as bicicletas. Com apenas 3 ruas e meia dúzia de ruelas é muito fácil se deslocar.
Convivência social
Na metrópole – principalmente em Brasília – a convivência era notadamente horizontal. Quase só nos relacionávamos com pessoas de classe média: a cidade é estruturada assim. Em Santo André é mais vertical – não é tão difícil ver-se o abonado e o carente no mesmo bar ou restaurante. A gente nota com mais facilidade os diferentes níveis de organização social onde os indivíduos atuam. Sabemos que o peão de obra, ou a senhora que trabalha com faxina, ou o gari são, ao mesmo tempo – por exemplo – líder na sua igreja ou chefe de família ou bom atleta de futebol. Claro que isto ocorre em todo lugar – só que em Santo André, por ser pequenino, a gente consegue enxergar a mesma pessoa em suas diferentes funções.
Fico com a impressão que a fragmentação pós-moderna é mais suave aqui do que alhures.
Curioso também, é que tendo vivido tanto tempo na capital do Brasil – onde se situam as embaixadas -- eu nunca tenha convivido tanto com estrangeiros como em Santo André. Já estive presente em inúmeras rodas de conversa com 2 ou 3 idiomas sendo falados ao mesmo tempo – parece que esta mistura é bem comum no litoral brasileiro hoje em dia.
A globalização não discrimina os povoados.
Postas estas características mais genéricas, aos poucos pretendo retomar este tema, trazendo aspectos que despertaram a atenção – e o carinho – pelo lugar. Seria muito bom se as pessoas que passarem por aqui – moradores de Santo André ou não – quisessem participar. Mesmo quem só passou por Santo André da Bahia – ou até mesmo ouviu falar.
Pode ser apenas duas linhas, uma foto, ou uma recordação.
Ou até uma dissertação.

Um comentário:

m.Jo. disse...

Gosto de posts assim, pessoais, embora raramente me atreva. Você escreve muito bem, Olímpia, é sempre um prazer passar por aqui. E acabo de lembrar de uma dívida, já empoeirada, que envolve umas fotos de Santo André....