domingo, 14 de outubro de 2012

Salto Ángel, a maior cachoeira do mundo



As cenas iniciais do filme O mensageiro (The go-between) mostram as vidraças de uma casa vitoriana batida pela chuva, grossas gotas d’água deslizando pelas vidraças;  na parte baixa da tela aparece  a frase O passado é um país estrangeiro -- as coisas acontecem de modo estranho por lá.
Falo de uma viagem feita em 2005, para um país estrangeiro.  Três pessoas pegaram um voo saído de Brasília com destino à cidade de Boa Vista (RR).  De lá tomaram um ônibus para Santa Elena de Uairen, na tríplice fronteira existente entre o Brasil, a Venezuela, e a Guiana.  O objetivo era alcançar o Parque Nacional Canaima, no extremo sudeste da Venezuela para ver a água cair 979 metros -- do célebre Salto Ángel ou Angel Falls (os índios chamam de Parekupa-meru), a maior cachoeira do mundo.  Para chegar até Santa Elena é preciso atravessar uma área indígena, a Raposa Serra do Sol, uma visão monótona de vegetação rala pontilhada por placas tipo Terra de Macunaíma ou Resgate da dignidade: à época havia um conflito de terras com os índios da região.
A furreca do ônibus rodava por milagre, parando para esfriar o motor a cada vez que a fumaça subia. Os passageiros desciam para esticar as pernas, conversar, fumar um cigarro. Carros vindos de Boa Vista zuniam intermitentemente na estrada, são os pampas-bombas, automóveis com tanques de gasolina extendidos. Vão até a Venezuela comprar gasolina por uma merreca para revender no Brasil com  lucro.  De vez em quando um desses carros velhos explode, e era uma vez um motorista. 
Para passar a alfândega venezuelana neste ponto do território é bom estar preparado para alguma hostilidade. Primeiro houve uma dissensão entre os viajantes porque um homem jovem, dizendo-se equatoriano, pediu para passar a aduana como se fosse o quarto membro do grupo. Os dois brasileiros concordaram, mas a mulher se opôs por questão de prudência. Porque precisa de nós? O equatoriano tartamudeava, resposta clara não se ouvia. E se ele tem algum problema mental, contrabando, documentos irregulares, fobia de guardas de fronteira, droga. Despediram-se do frustrado equatoriano com um certo aguilhão na consciência solidária.. 
Momentos de tensão com os guardas da fronteira: nitidamente antipáticos, arrogantes. Reviraram as três mochilas, as peças de roupa pelo avesso, exigiram ver e pegar o dinheiro, colocaram as notas de dólares e os bolívares em cima da mesa como cartas de baralho.  Passado o mal-estar, chegaram a Santa Elena de Uaiten, um lugarejo caótico de fama nefasta, lugar de aventureiro. Rota de cocaína, zona de garimpo, prostituição visível, restaurantes tumultuados. Becos saindo das esquinas. Registraram-se num hotel feinho, era limpo; o casal magrinho que administrava a hospedagem mal falavam espanhol, pareciam chineses ou seriam coreanos?
Não importa, sorriam.
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(continua no post debaixo)