As cenas iniciais do filme O
mensageiro (The go-between) mostram as vidraças de uma casa vitoriana batida
pela chuva, grossas gotas d’água deslizando pelas vidraças; na parte baixa da tela aparece a frase O passado é um
país estrangeiro -- as coisas acontecem de modo estranho por lá.
Falo de uma viagem feita em 2005, para um país estrangeiro. Três pessoas pegaram um voo saído de Brasília
com destino à cidade de Boa Vista (RR). De lá tomaram um ônibus para Santa Elena de
Uairen, na tríplice fronteira existente entre o Brasil, a Venezuela, e a
Guiana. O objetivo era alcançar o Parque
Nacional Canaima, no extremo sudeste da Venezuela para ver a água cair 979
metros -- do célebre Salto Ángel ou Angel Falls (os índios chamam de Parekupa-meru), a maior cachoeira do mundo. Para chegar até Santa Elena é preciso atravessar
uma área indígena, a Raposa Serra do Sol, uma visão monótona de vegetação rala
pontilhada por placas tipo Terra de Macunaíma ou Resgate da dignidade: à época
havia um conflito de terras com os índios da região.
A furreca do ônibus rodava por milagre, parando para esfriar o motor a
cada vez que a fumaça subia. Os passageiros desciam para esticar as pernas,
conversar, fumar um cigarro. Carros vindos de Boa Vista zuniam
intermitentemente na estrada, são os pampas-bombas,
automóveis com tanques de gasolina extendidos. Vão até a Venezuela comprar
gasolina por uma merreca para revender no Brasil com lucro. De vez em quando um desses carros velhos
explode, e era uma vez um motorista.
Para passar a alfândega venezuelana neste ponto do território é bom
estar preparado para alguma hostilidade. Primeiro houve uma dissensão entre os
viajantes porque um homem jovem, dizendo-se equatoriano, pediu para passar a
aduana como se fosse o quarto membro do grupo. Os dois brasileiros concordaram,
mas a mulher se opôs por questão de prudência. Porque precisa de nós? O
equatoriano tartamudeava, resposta clara não se ouvia. E se ele tem algum
problema mental, contrabando, documentos irregulares, fobia de guardas de
fronteira, droga. Despediram-se do frustrado equatoriano com um certo aguilhão
na consciência solidária..
Momentos de tensão com os guardas da fronteira: nitidamente antipáticos,
arrogantes. Reviraram as três mochilas, as peças de roupa pelo avesso, exigiram
ver e pegar o dinheiro, colocaram as notas de dólares e os bolívares em cima da
mesa como cartas de baralho. Passado
o mal-estar, chegaram a Santa Elena de Uaiten, um lugarejo caótico de fama
nefasta, lugar de aventureiro. Rota de cocaína, zona de garimpo,
prostituição visível, restaurantes tumultuados. Becos saindo das esquinas. Registraram-se num hotel feinho, era
limpo; o casal magrinho que administrava a hospedagem mal falavam espanhol, pareciam chineses ou seriam
coreanos?
Não importa, sorriam.
Não importa, sorriam.
----------
(continua no post debaixo)
Um comentário:
Maravilhoso!!!
Postar um comentário