terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A miopia do jornalista

Quando cliquei no link indicado pela Léa e  vi o título da matéria do "Estadão" (“A classe C vai ao resort), lembrei de pronto do filme de Elio Petri -- uma das pérolas do cinema político italiano dos anos 70  --  “A classe operária vai ao paraíso.”  Creio que a referência foi proposital e irônica.
Elio Petri, (Roma 1923-1982), era filho de operário e comunista de carteirinha. Formado em Literatura pela Universidade de Roma, coordenava as atividades culturais para a juventude do Partido Comunista Italiano e escreveu críticas de cinema para o L’Unità, o jornal oficial do partido. Deixou o PCI em 1956, por discordar da invasão soviética na Hungria.
José Roberto de Toledo, o redator da matéria do jornal paulistano, passa longe do ideário comunista. Ao contrário, seu texto é uma saraivada de expressões preconceituosas atiradas para definir um tipo de turista que freqüenta o balneário – o turista trazido pela CVC. Aquele visitante que embarca nas chalanas e escunas para passar algumas horas na praia – por vezes segue até o banco de coral da Coroa Alta – ou vem para cá em pacotes turísticos que incluem a passagem aérea e a hospedagem no resort Costa Brasilis.
Este turista – da chamada “classe C” – muitas vezes está viajando de avião pela primeira vez; seu número atingiu a casa de um milhão, neste verão.
São os brasileiros descobrindo o Brasil.
E movimenta a economia sim, não apenas de Santo André, mas de múltiplos destinos de turismo doméstico.
Para este público de bolso mais raso, o jornalista reserva expressões como “ex-pobre”, “neoturista”, “deslocado”... Compara gente, a pessoa humana,  com gado, com boi, ao dizer:
“A cena da prancha caindo sobre a praia (...) poderia lembrar o movimento das balsas que povoaram as fazendas de pecuária da região do Araguaia, no sul do Pará, nos anos 70. Mas boi não dança axé.
Sim, é verdade que muitos moradores acalentam o desejo de ver a CVC adotar medidas ecológicas de impacto .  O volume do som das escunas passantes hoje é mais baixo, graças à atuação dos moradores e habituês junto à direção da empresa.
Particularmente, não sou adepta ao tipo de programa que se faz dentro do resort (gincanas,  aeróbica na piscina, brincadeiras orientadas), mas consigo entender que  há pessoas que  escolhem este tipo de hospedagem  porque gostam e se divertem assim. Na verdade, a maioria nem sai do resort para explorar a Vila...
Interessante notar o paradoxo criado entre a foto (esta que reproduzo), que  ilustra a matéria e o texto de José Roberto,  pois mostra a praia de Santo André como ela realmente é – tranqüila , bonita e bem preservada. Um requinte, no mundo devastado em que vivemos.  E quem conhece Santo André melhor, sabe que há restaurantes e bares onde se pode desfrutar de boa gastronomia,  de música mais elaborada e de ambientes mais criativos.  Há espaço para todos, abonados ou não.

5 comentários:

m.Jo. disse...

Ironia e cinismo são coisas perigosas de se lidar. Úteis certamente,nos dias de hoje. O risco está na contumácia. A pessoa perde a mão e perde o foco, não consegue enxergar nada além da própria piada. Fica precisando de uma desintoxicação.
Uma temporada em Santo André faria bem ao jornalista. Ainda que fosse no resort da CVC.

Guiomar disse...

Olá Olímpia. Gostei muito do que vc. escreveu.
Causa perplexidade (e vergonha) uma caricatura de jornalista que se acha no direito de chamar "os outros" de gado. Assustador também o fato do texto ter saído no 1o. caderno do Estadão.
Por fim, não sei de que casta eu sou, mas dia 9 fev. estarei aí.

olimpia disse...

m.Jo e Guiomar
Obrigada pelo apoio.
abs,

Guiomar disse...

Engraçado: eu fiz um comentário aoartigo no blog do Estadão (e encaminhei outro comentário aos editores). O comentário foi simplesmente excluído do blog poucas horas após. a postagem. Qem me conhece razoavelmente sabe que eu não ofenderia o jornalista, embora não deixasse de criticar com veemência o artigo. É simplesmente hilário.

olimpia disse...

Pois é, Guiomar, eu também fiz um comentário que não foi publicado. E estava cordato...
tipo "Caro Sr.", etc.
Não é o Estadão que se diz "censurado" pela família Sarney?