sábado, 26 de novembro de 2011

Melancolia, de Lars Von Trier

O diretor de cinema dinamarquês Lars Von Trier criou uma obra belíssima sobre o tema da Melancolia – mal as luzes se apagam, o fascínio das imagens e da música vindo da tela inunda a sala do cinema. Comigo, o filme aconteceu... Logo nos minutos iniciais aparecem vários quadros famosos, entre os quais a morte de Ofélia, a amada suicida de Hamlet, pelo pintor inglês John Everett Millais. A jovem flutua em um lago com uma vegetação exuberante  emoldurando seu corpo. Seu semblante melancólico, impassível, não esboça a mínima reação, representando uma visão imaterial da mulher; o rosto marmóreo lembra uma madona renascentista. Para pintar este quadro, Millais passou quatro meses no campo estudando a vegetação. Encontrei na Rede alguns significados para o simbolismo das plantas: o salgueiro representa amor sem esperança, as urtigas a dor, as margaridas perto da sua mão a inocência, as violetas no pescoço a fidelidade, a castidade e a morte precoce, a papoula a morte, as outras flores estão relacionadas com a tristeza; o miosótis na margem é para evitar o esquecimento…A obra faz parte do acervo da Tate Gallery, de Londres
O diretor do filme recriou o quadro em cinema, filmando a atriz Kirsten Dunst sendo arrastada pela correnteza de um riacho. A referência ao quadro de John Everett é clara:  Justine é uma Ofélia moderna que se suicida em câmera lenta, entregando-se ao "spleen", à depressão. Seu semblante, radiante, dá lugar a um rosto apático de maquiagem desbotada,  cabelo desalinhado; o véu de noiva é rasgado, o vestido se torna um estorvo que mal a deixa caminhar.
A primeira cena do filme é a imagem dos Caçadores na Neve, quadro do pintor Pieter Bruegel, o "Velho", de 1565. O jeito ameaçador dos caçadores chegando em silêncio sorrateiro perto da cidadezinha é amplificado pelo som do prelúdio de "Tristão e Isolda". Enquanto a música prossegue, o quadro vai se deteriorando devagar..
Outro quadro célebre colocado na tela é "O Jardim das Delícias Terrenas", a mais enigmática e sugestiva obra de Hyeronimous Bosch ("El Bosco"), executada cerca de 1500. No centro das excêntricas figuras está um pequeno ser humano apoiado no pássaro, na pose clássica da melancolia. O homenzinho realça a tristeza de Justine, a  bela noiva do filme que vai se tornando cada vez mais melancólica em meio ao fausto das 'delícias terrenas'.
O casamento de Justine é comemorado num palacete rodeado de jardins primorosos, às margens de um lago pertencente ao seu cunhado, John, um milionário casado com sua irmã Claire (Charlotte Rampling, magnífica no papel).  Requinte e ostentação espalhados pelos salões, pela vegetação, nos objetos da casa. Há um momento em que a noiva, angustiada, vai até o escritório e troca as páginas dos livros de arte que estão abertos nas estantes. A imagem acima, o quadro de Pieter Bruguel chamdo "O País de Cocanha", é um dos escolhidos. A Cocanha é uma terra fictícia, bastante empregada na arte medieval para representar o luxo e a extravagância; uma espécie de paraíso para os sentidos. Neste lugar imaginário a comida era abundante (chovia queijo do céu), lojas ofereciam seus produtos de graça, casas eram feitas de cevada ou de doces, sexo podia ser obtido imediatamente de freiras, o clima sempre era agradável, o vinho nunca terminava e todos permaneciam jovens para sempre. Fartura infindável.
Esse Caravaggio trágico -- "David com a cabeça de Golias" -- foi outra imagem  escolhida por Justine para destaque na prateleira. Pintor italiano,  cujo nome verdadeiro é Michelangelo de Merisi ,  sendo Caravaggio o nome da aldeia onde nasceu, em 1573, perto de Milão.  É uma das últimas obras do artista, um homem turbulento e desordeiro, características que o levaram mais de uma vez à prisão. A cabeça do gigante cortada por um jovem que a observa com um misto de piedade e desdém...
Uma pequena pinacoteca, dentro de um filme pleno de beleza visual.

2 comentários:

Anônimo disse...

que post excelente, parabéns! e também muito obrigada :)

olimpia disse...

Obrigada.