quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Breve história do Cine Cajueiro



O início

Foi no meu primeiro verão em Santo André, quando conheci uma moça louca por cinema, a Krika. Ela trouxe de São Paulo uma coleção de filmes clássicos, principalmente da nouvelle vague, aquele movimento de renovação da linguagem fílmica – mais voltado para a expressão do que para a comunicação – que se espalhou pela cinematografia mundial depois de surgir na França no final dos anos 50.

Víamos os filmes lá em casa, à época com vista para o rio João de Tiba e para um centenário cajueiro copado. No começo o grupo era até significativo em tamanho, mas aos poucos foi se esvaziando porque, como é natural, nem todo mundo estava a fim de ficar vendo “O ano passado em Marienbad” em noites de verão baiano.

Numa noite de particular entusiasmo – havíamos acabado de rever “A noite americana”—olhamos para a rua e “vimos” o cinema no meio da rua, embaixo do cajueiro. Truffaut nos fez decolar e nos levou para mais longe do que o próprio filme.

A parte técnica

Foi rápido, estilo “shazam”. Alugamos o projetor de um italiano – para nossa sorte ele voltou para a Itália logo depois e nos vendeu o aparelho pela metade do preço. Foi ótimo mesmo porque ele tinha um amigo chato e briguento: sumiram, os dois.
Cláudio e Caio montaram a telona (2 por 2) com lona plástica branca, madeirite e canos de pvc. As cadeiras eram as de casa mesmo, depois nós fomos comprando as cadeirinhas de plástico branco que são a cara e o bumbum do Cine Cajueiro.

Escolhemos o filme, fizemos os cartazes, espalhamos pela vila e continuamos nesse exercício de compartilhamento até hoje, quase 2 anos depois e mais de 100 filmes rodados.

Muita gente cooperou, no mínimo com entusiasmo, com idéias, com alguns filmes. A parte financeira, a continuidade e a persistência acabaram ficando por nossa conta (Cláudio e eu, aposentados em estágio de ócio criativo) até porque o verão acabou, o pessoal se foi, e os daqui têm outras atividades a tocar, inclusive econômicas.

Os precedentes

Nos contaram que anos atrás o pessoal projetava fotos dos moradores. Ainda não era cinema porque faltava um dos elementos básicos, o movimento, mas imagino que foi um bom começo.

Depois veio a Mônica Pauletti, outra paulistana que tem casa aqui. Ela desenvolveu um ótimo trabalho chamado “Papo filme”, um projeto semelhante ao nosso: artesanal e com recursos próprios. Cada vez que a Mônica vinha – a cada 3 meses, mais ou menos, o cinema acontecia. Vi alguns deles – excelentes escolhas – e a Mônica agregava valor, porque sendo psicóloga, conversava com os meninos e meninas após os filmes.

As parcerias

Numa reedição mambembe saímos por aí de tela e filme na mão. Passamos filmes na Escola Municipal, no Centro de Comunidade e Convivência, no IASA, no Cabana Nativa e – a parceira mais longa (desde maio 2007) e profícua até hoje – com o Casapraia, onde estamos todos os sábados, às 21hs, numa rica e intensa troca com os cinéfilos locais e visitantes.

Citar as pessoas que nos incentivaram a tocar este trabalho de formiguinha seria maior que a formiguinha... foram (são) tantas...!

O Cine Cajueiro hoje

Agora estamos em outro endereço, não mais embaixo de um cajueiro, agora é debaixo de uma mangueira, ao lado da casa que construímos em Santo André. Toda terça-feira, 19:30.

Ontem exibimos “As crônicas de Spiderwick”, dublado (infelizmente o público infanto-juvenil não consegue ler as legendas com a rapidez necessária). É um desses filmes do filão Harry Potter cheio de goblins que os meninos chamam de jupatis.

Foi uma dessas noites lindas em que o cinema “bombou”: cerca de 50 meninos pequenos e grandes, as cadeiras não foram suficientes (ainda bem que justo agora soubemos que o Gaili vai nos doar 10 cadeiras de plástico) e, pela primeira vez, pediram (numa algazarra infernal) que passássemos outro filme, findo o primeiro.

Afinal era noite de lua cheia...

As fotos

Não sabemos bem porque, mas não tínhamos fotos do Cine Cajueiro até ontem.

Talvez porque sentimos que nem imagem nem palavra conseguem passar o clima lúdico que envolve a platéia no momento real. Talvez porque a gente tem resistência a “quebrar” o momento com flashes e poses, talvez porque somos péssimos fotógrafos... o fato é que o Ray Rangel, um jornalista amigável do Jornal do Sol nos pediu fotos para publicar uma matéria (seria a segunda do Cine Cajueiro, a primeira saiu no Topatudo de Porto Seguro, por obra e graça de Marianna Robalo) e a gente só conseguiu essas, de péssima qualidade...

Bem, hoje vamos abrir exceção e colocar algumas aqui nessa redefurada.

Para finalizar, umas palavras do Truffaut:
“Sempre me perguntaram em que momento da minha cinefilia desejei tornar-me diretor ou crítico e para falar a verdade não sei; sei apenas que queria aproximar-me cada vez mais do cinema. Um primeiro estágio consistiu em ver muitos filmes, um segundo em anotar o nome do diretor ao sair do cinema, um terceiro em rever freqüentemente os mesmos filmes e em determinar minha escolha em função do diretor. Naquela época de minha vida, porém, o cinema agia como uma droga, ao ponto do cineclube que fundei em 1947 ostentar o nome pretensioso, mas revelador de Cercle Cinémane (Cícirculo Cinemaníaco). Acontecia-me assistir o mesmo filme cinco ou seis vezes no mesmo mês e ser incapaz de contar corretamente o roteiro porque, nesse ou naquele momento, uma música que se elevava uma perseguição na noite, o choro de uma atriz me entusiasmavam...”

Um comentário:

Unknown disse...

Olimpia, fiquei muito feliz e emocionada em ler a história do Cine Cajueiro... acho que fiz tão pouco, gostaria de poder contribuir mais. Foi pensando nisso que me veio uma idéia na cabeça. POr que não fazer uma mostra de filmes no verão ai em Santo André?? Eu ainda estou acertando umas coisas para ter certeza se vou ou não ai no verão. Mas a idéia está lançada, não sei ainda quais filmes ou assunto abordar, mas acho a idéia bem interessante! Estou me organizando com o Cinema de Guerrilha para enviar nossos curtas para passar ai...o objetivo e´que as pessoas vejam a obra de um grupo independente pronta mas percebam também que é possivel contar alguma dessas histórias ou estórias que já ouvi de moradores de Santo André com pouco recurso. veja bem apenas uma sugestão, a proposta é proliferar por toda a parte esta arte da qual gostamos muito. Estou com alguns filmes que possa passar, vou preparar as cópias, caso eu não for mando pela Claudinha ou via correio. Agradeço pela forma carinhosa e respeitosa que escreveu o texto sem esquecer de nenhum detalhe. Creio que dentro de cada morador de St° André foi injetado o virus do cinema, no bom sentido. Bjs Krika Mattos