domingo, 29 de maio de 2011

da série férias frustradas: Aracaju

Lembrança vai, lembrança vem, encontrei esta foto em preto, branco, e mancha marrom do século passado; parece mesmo de uma vida passada. Nesse tempo, minha morada era Brasília, uma cidade sem oceano algum – você não encontra praia sem viajar pelo menos mil quilômetros; uma lacuna ruinosa, para quem, como eu, fora criada em cidade costeira... Nós, os da foto (estou encostada no poste), estávamos no início de nossas férias e havíamos acabado de chegar em Aracaju, depois de uma longa e divertida viagem desde Brasília, a bordo de um precário fusca vermelho. Nós três, e o Tonho (o fotógrafo), tínhamos um bom amigo em Sergipe e --- olha que sorte – ele convidou nós todos para passar dez dias na casa dos pais dele em Aracaju; uma confortável e ampla casa, bem localizada na orla marítima e – a  melhor  parte – com direito à pensão completa.  Sabíamos que ele provinha de uma família abastada; para nós, jovens de bolso curto, pagar hotel ou mesmo uma pousadinha simples era algo impen$ável naquela época.  A rara oportunidade de termos hospedagem boa, bonita e grátis facilmente nos convencera a pegar a estrada com pouquíssima grana nas carteiras.  O dinheiro para a gasolina e um tanto para alimentação estava reservado; dava pra ir e voltar com leve folga, mas não havia espaço para imprevistos financeiros...
 Logo que chegamos -- depois de dois dias de estrada -- ao endereço que ele anotara no meu caderninho, notamos um movimento acentuado em frente da casa: carros apressados entravam e saíam por um lado ou outro do portão e dava para avistar uma pequena aglomeração de pessoas  sisudas, sentadas em cadeiras brancas e altas na varanda, conversando baixinho.
 Tocamos a campainha sem obtermos qualquer resultado prático – acabamos entrando sem recepção – o portão para pedestres estava aberto; e dava para um verdejante jardim florido que se estendia até os degraus da varanda. Timidamente  nos aproximamos de um senhor de terno claro e chapéu panamá que se dirigia para o que parecia ser uma garagem; perguntamos pelo nosso amigo. Ele nos olhou com olhar absorto, virou-se para os que estavam na varanda e fez um sinal para uma moça jovem que enxugava o nariz vermelho com um lenço. Ela se voltou para o interior da casa e chamou Marcelo, Marcelo;  o nome (fictício) do amigo que procurávamos... Para aumentar o nosso desconforto, ao nos ver ele pareceu desconcertado; olhava incrédulo para nós quatro e nossas mochilas... Abraçou-nos em silêncio, olhou um por um e foi nos explicando com vagar e pesar que uma tia que morava na família desde que ficara viúva há alguns anos, tinha falecido naquela madrugada; e o séquito do enterro sairia de sua casa dentro em pouco... Sem tempo e condições para maiores explicações, comentou que a casa estava cheia de parentes de outras cidades que vieram para o enterro e para fazer companhia ao resto da família... Havia questões de herança para resolver, tudo isto demandaria alguns dias e ele não poderia cumprir a promessa da hospedagem.
Vocês não poderiam voltar no próximo ano?
Fomos para a amurada da praia, sentamos e ficamos assim, como está na foto, pensando no que fazer da vida, ou pelo menos, das férias... Demos um jeito, mas não voltamos a Aracaju.
Marcelo tinha muitas tias...

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