terça-feira, 17 de maio de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece....

 Aquilo só podia ser pesadelo, filme de guerra ou programa de videogame – como ele fora se meter naquela cena, vestido para matar e de submetralhadora na mão? O momento era esperado, claro. Pensara longamente em todo o imaginário que a carreira de um policial federal inspira desde que vira seu nome publicado na lista dos aprovados do último concurso. Era matemático de profissão, bacharel, formado em universidade federal de primeira linha. Não lhe fora difícil achar trabalho como professor em um colégio classe-média-alta de Brasília. Pagavam bem, mas o salário da Polícia Federal era quase 3 vezes mais apetitoso. Pediu demissão da escola e não se arrependera. Os primeiros dois anos de vida policial haviam se passado tranquilamente, numa divisão administrativa. As tarefas burocráticas se alternavam com os treinamentos militares. Até que chegou o dia da primeira missão real – desalojar uma quadrilha de narcotraficantes de um reduto da baixada brasiliense.
Ele contou que o esconderijo dos caras parecia uma casamata, porta única no meio do cimento e alvenaria sem reboco. Nenhuma janela – e um silêncio sinistro.  Gritaram POLÍCIA POLÍCIA.  Sem resposta ou reação.  Arrombaram a porta, ele e os colegas da tropa, todo mundo se borrando....  Polícia também sente medo... Veraneio vascaína vem dobrando a esquina... que hora doida pra se lembrar do Legião Urbana, comentou depois. Sempre aos berros e empunhando as armas chegaram ao único quarto que estava fechado. Era a primeira vez pra maioria deles – uns meninos de 24 a 29 anos. Talvez fosse preciso matar. Talvez fosse destino morrer... GRITOS GRITOS.  Bastaram duas pezadas de coturno pra quebrar a última porta. Deram com um homem deitado numa cama de madeira velha, dormindo a sono solto, todo enrolado num cobertor de lã – fazia frio naquela manhã.  Aquela zoeira toda e o cara dormindo... Acordou com os canos das armas na cara. Apavorado.
Levou um tempo para que entendessem... A quadrilha fora avisada por um informante da chegada da polícia; fugiram apressadamente e largaram o  dorminhoco pra trás. Aquele coitado em particular era surdo-mudo de nascença.
Lembrei deste episódio da vida de um amigo  porque de algum modo eu o relacionei com o filme que vi ontem Tartarugas  podem voar. Mas essa já é outra história....

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