sábado, 13 de fevereiro de 2010

a Câmara de Deputados Distritais de Brasília

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.
Essa é a primeira frase do primeiro livro de Kafka que li. Faz tanto tempo. Era um domingo, dito dia de melancolia. Isso por certo realçou meu mal-estar, a vontade de vomitar. Àquela época eu ainda residia em Natal, uma cidade clara e azulada, deve ser a antípoda perfeita para Praga e para o estilo absurdamente fascinante deste escritor.
Pensei que ao terminar de ler o livro minha inquietação sumiria. Ingenuidade da idade, a gente sabe muito bem que ela não é de passagem. Vem para ficar. Porque a gente vai dormir alegre e acorda diferente.
Vou explicar com o exemplo do governador do Distrito Federal e parte de sua equipe fraudulenta que foram em cana esta semana. Uma notícia maravilhosa – finalmente, uma vitória de peso contra a impunidade dos meliantes que enchem os bolsos as meias e as cuecas de recursos obscuros, que se julgam eternamente intocáveis e acima dos outros milhões de cidadãos.
Fiz os brindes, comemorei. Mas tive sonhos intranqüilos.
Só hoje de manhã cedinho quando li uma matéria escrita pelo cientista social Mauro Santayana (uma pessoa que me ensina tanto) sobre a situação de Brasília, descobri a natureza do inseto monstruoso -- a barata (caríssima!) do momento é a Câmara de Deputados Distritais do Distrito Federal, é a autonomia política da sede da República.
Eu lembro muito bem quando isto aconteceu, foi na ocasião da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, eu ainda morava lá, no Planalto Central. Até então, o governador de Brasília era indicado pelos poderes da República o que nos desgostava, a gente queria ser como os outros brasileiros e eleger nós mesmos o nosso governador. Fui uma daquelas pessoas que se misturou aos grupos que manifestavam o desejo de ver a cidade plena em poder político. Pensava que estava batalhando pela democracia.
Como pude ter sido tão tola?
A ficha foi caindo com o tempo e nós fomos percebendo o tamanho do gasto e do desperdício que isto significava: a construção dos salões e dos gabinetes no prédio do poder legislativo (aquilo daria um ótimo hospital), os deputados, os salários, os assessores, os ritos kafkianos, as despesas soberbas.
Até culminar nessa situação de intervenção que a Nação está vendo : um governador na cadeia, um vice-governador proibido de assumir porque também é suspeito e o terceiro colocado, o presidente da Assembléia Legislativa, pois não é que ele é justamente o sujeito que enfia dinheiro nas meias?
Abaixo a Câmara Distrital do Distrito Federal.
Sei – conheço -- gente honesta e ética que trabalha lá, mas a experiência demonstrou claramente que aquela decisão tomada pelos constituintes em 1988 – com o beneplácito da população de Brasília – foi errônea.
Recorrendo às palavras do Santayana “a cidade, como entidade política, não se pertence, ela se integra no todo, representado pela União”.
E ainda “a cidade, com seus apêndices urbanos, não é unidade clássica da Federação: os donos da cidade não são os cidadãos que nela vivem. Os donos da cidade são todos os cidadãos brasileiros, neles incluídos, é claro, os brasilienses”.
O mal estar continua.

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