terça-feira, 17 de março de 2009

De que é feita a cajuína?



A primeira vez que tomei cajuína foi na casa de Tia Marly e Marcone, lá em Teresina. Na noite abafada, a refrescante bebida piauiense descia cristalina. Ainda mais que o momento era de reencontro de pessoas da mesma família que não se viam há anos, e que seriam incapazes de se reconhecerem à primeira vista.

Na adolescência eu passara umas férias inesquecíveis com essa parte da família, onde minha tia era a única mulher, mãe de 4 meninos adoráveis. Creio que, à época, todos se apaixonaram um pouco por mim; um caso típico de prima mais velha. Até hoje lembro do rosto contrariado do mais velho quando me viu paquerando um soteropolitano da minha idade:

“Este cara está com cara de quem quer casar com prima”.
Nunca esqueci o carinho dos priminhos; a lembrança dessas férias em Salvador tem gosto de algodão doce, de tão boa.
----------------------------------------------
Por outro lado, adoro a música do Caetano, especialmente pela profundidade do primeiro verso:

“Existirmos: a que será que se destina?”

Remete à célebre fala de Hamlet: “Ser ou não ser: eis a questão”
---------------------

E, por oportuno, replico parte de uma entrevista de Caetano Veloso contando como surgiu sua canção Cajuína, uma das mais bonitas de seu repertório.

“CAETANO VELOSO FALA DE CAJUÍNA
Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, no final dos anos 70, recebi, no hotel em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato. Torquato estava, de certa forma , afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool).
Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso. No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso.
Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais freqüentemente com Chico do que comigo. Chico eu eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental. Qaundo, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durantes horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois.
E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.

Um comentário:

@VEM_6 disse...

Cajuína de Teresina

bebida leve, encorpada transmite a quem bebe os valores da nossa terra... Boas lembranças... Bons momentos, são eles que nos alimentam dia a dia na certeza que melhorees sempre virão.