Como conseguir uma vaga na garagem

O motivo alegado para a reunião de condomínio foi a distribuição das vagas na garagem. Houve um recorde de participação: quase 100% dos condôminos compareceram.
As vagas são demarcadas de acordo com a arquitetura do prédio. Algumas são espaçosas e de fácil acesso. Outras exigem que o motorista pratique contorcionismo. Outras, ainda, têm colunas tão próximas que tornam o ato de estacionar o carro uma prova de habilidade avançada.
Como fazer para conseguir um procedimento equânime?
A forma escolhida foi o sorteio.
Todos concordaram, menos Dona Lourdes, a moradora do 613. Acompanhada de advogada, trazia na bolsa a autorização de uma Secretaria da Prefeitura, beneficiando-a com a prioridade da escolha.
O síndico – e todos os presentes – não disfarçavam a perplexidade. Hesitante, o homem argumentou:
“Mas Dona Lourdes, a senhora não tem carro...”
“É verdade, seu Sílvio, mas pretendo comprar”, respondeu a moradora, incontinênti.
“Mas Dona Lourdes... a senhora não dirige, não tem carteira de motorista...”, retrucou a moradora do 415.
“Minha sobrinha pode dirigir para mim”, disse a inabalável Dona Lourdes.
“Dona Lourdes, a senhora me desculpe, mas isto não tem cabimento!”, altercou o síndico, já nervoso, acrescentando o dado que estava entalado na garganta da estupefata platéia:

“Dona Lourdes, me faça o favor de ser razoável: afinal, a senhora é cega!”

Neste ponto, a advogada interveio. Dona Lourdes tinha a prioridade na escolha da vaga justamente por causa de sua deficiência. E mostrou a documentação.
Foi assim que Dona Lourdes pode escolher a melhor vaga, ampla, bem iluminada e próxima ao elevador.
Resolvida a controvérsia, passou-se, sem delonga, ao sorteio das vagas restantes. Até o momento em que – finda a distribuição – Dona Lourdes pediu a palavra novamente, levantou-se e perguntou em tom triunfal:

“Quem quer alugar uma vaga?”

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“Auto-Retrato – Tamara no Bugatti Verde”, de 1925, da pintora polonesa Tamara de Lempicka (1898-1980)