quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

certidão de vivência




Ontem de manhã peguei a balsa das dez para Santa Cruz Cabrália sob um sol abrasador. Para alegria dos turistas e desconsolo dos moradores, não chove em Santo André há uns 80 dias, uma ironia sinistra tendo em vista as enchentes no Sul do País. Mas eu precisava ir ao cartório pedir um atestado de existência, por conta da aposentadoria. Se não comprovo que estou viva, babau pensão. Assim que cheguei ao local dirigi-me ao primeiro guichê. O rosto de sorriso branco e cabelo escorrido me explicou que era com outra pessoa, na sala em frente, e assim fui batendo de porta em porta até chegar na originalidade da última negativa – aconteceu antes que eu pudesse explicar minha necessidade. Foi um não a priori.
(os cartórios existem para prestar serviços ao cidadão?)
Esse negócio de burocracia (e poder) foi lindamente escrito por Kafka. Olhem só o trechinho de “O Processo” que acabei de arrumar na internet
Diante da lei está parado um porteiro. Um homem do campo chega até esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que ele não pode permitir sua entrada naquele momento. O homem reflete e pergunta, em seguida, se ele poderá entrar mais tarde. "Até é possível", diz o porteiro, "mas agora não". Uma vez que a porta para a lei está aberta como sempre, e o porteiro se põe de lado, o homem se acocora a fim de olhar para o interior. Quando o porteiro percebe o que está acontecendo, ri e diz: "Se te atrai tanto, tenta entrar apesar da minha proibição. Mas nota bem: eu sou poderoso. E sou apenas o mais baixo entre os porteiros. A cada nova sala há novos porteiros, um mais poderoso do que o outro".
(como escrevia bem, o escritor tcheco)
Ainda bem que o Cláudio me fazia companhia porque foi preciso seguir para outro cartório, em Porto Seguro, por um caminho belíssimo que vai beirando o mar de Cabrália até lá e que, no verão, de seguro pouco tem. Gente dançando na pista, ônibus parados no asfalto, descuido nenhum pode acontecer.
Almoçamos ao lado da entrada da balsa que leva de Porto para Ajuda, no restaurante da japonesa, um lugar onde a gente come toda semana, quase sempre sushis. No cartório alternativo uma surpresa agradável na forma de uma funcionária eficaz e de imensa boa vontade. Saí de lá com o papel na mão – o resto foi o tempo com o xerox e com a fila na agência dos Correios. Maravilha, só precisei gastar um dia para obter a certidão e agora (ufa!) só vou precisar provar que estou viva no próximo ano.

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