terça-feira, 19 de abril de 2011

Comer o quê em São Paulo?

Gastronomia, segundo o Aurélio, é a arte de se regalar com finos acepipes.  Um ramo antigo do comércio do prazer que virou fashion nas últimas décadas e não para de crescer e de se especializar. Cursos de gastronomia foram introduzidos nas universidades, criaram-se guias de bares e restaurantes, os festivais gastronômicos se espalharam pelo país (Restaurant Weeks, por exemplo) e alguns chefes de cozinha viraram (ou ganharam) estrelas.  Além disso, cozinhar caiu na mesa e no gosto da velha e da nova classe média – cada vez mais as pessoas estão colocando os amigos em torno da mesa. Hoje mesmo minha filha me disse (via FB) que havia preparado sua primeira Margherita.
Parêntesis
O quitute ganhou este nome em 1889, quando os reis italianos Umberto I e Margherita estavam passando uma temporada em Nápoles e quiseram experimentar o prato sem necessariamente ir até a pizzaria – não ficava bem para a nobreza.  Pediram para a pizza ser entregue em casa – vai ver, o delivery é invenção italiana.  Para agradar ao casal real, o pizzaiolo cobriu a pasta com queijo muzzarela, tomate e manjericão, ingredientes que trazem as cores da bandeira italiana. A rainha adorou – e acabou virando nome de pizza.
Todo esse preâmbulo para comentar sobre um ou outro restaurante paulistano que conheci nesta temporada de “férias na cidade”. Um deles foi o “Arturito”, um local que ganhou dois títulos no almanaque “Comer e Beber” da Veja – o de melhor restaurante de cardápio variado da cidade, e o de “chef do ano” para a argentina Paola Carosella, responsável pelas badaladas delícias do lugar.  Olha só como as opiniões são relativas: a matéria da revista citava a envolvente atmosfera à meia-luz, mas como fui comer lá na hora do almoço -- e o dia estava glorioso -- achei o ambiente mal iluminado, impressão acentuada pelo tom chocolate das paredes. Prefiro comer no claro -- especialmente em dias luminosos – então escolhi sentar numa das mesas que se alinham na estreita faixa do restaurante que não tem cobertura para o exterior -- uma espécie de  mesa com teto solar. Dá para ver um pedacinho do céu e os galhos de uma árvore debruçada sobre o telhado. Adorei a graça do toque outonal da natureza: duas ou três folhas secas rodopiaram e caíram ao lado de nossa mesa... O atendimento do staff da casa foi simpático na entrada e distraído nos longos minutos seguintes.  Não havia público suficiente para justificar aquela demora e o solene descaso dos garçons e da hostess que passavam pressurosos demais para nos dirigirem a palavra; finalmente a fome e a sede me fez interpelar um dos garçons com mais  firmeza. Na sequência o atendimento foi gentil, exceto quando recusamos o couvert -- quase sempre sinto um desdém sutil no ar quando o cliente descarta beliscar antes da refeição.  Comer pedaços de pão (por melhor que seja) com manteiga ou azeite, mesmo temperado com ervas finas, invariavelmente estraga meu apetite para o prato principal. E acho que não é preciso justificar – deve-se deixar o cliente à vontade para decidir. Meu pedido foi um prato de peixe – anchova fresca acompanhada de purê de berinjela assada, dill e coalhada caseira.  Tudo estava  saboroso, com um único senão: além da coalhada caseira, veio uma espécie de maionese que deixou o prato muito rico em gordura.  Acho que um pedacinho ou dois da velha e boa batata inglesa cozida deixaria o conjunto mais equilibrado (ou cenouras, para colorir o prato). Meu filho pediu (e adorou) a barriga de porco acompanhada de confit de erva-doce e cebolinha cozida na manteiga. Cebolinha aqui, porque lá era échalote.
Parêntesis número 2
Confit é um termo usado para indicar a preservação de carnes (na própria gordura) ou frutas e legumes (no açúcar).
Échalote é uma planta da mesma família da cebola que também é conhecida como ascalônia, cebola-miúda, cebolinha-branca e charlota-das-cozinhas. É largamente utilizada na Europa; sua origem é a região da Palestina. Veio para a Europa na época das Cruzadas.  O sabor é bem parecido com o da cebola, apenas um pouco mais doce.
A sobremesa foi um crepe fininho de doce de leite com laranja: perfeito no adoçamento e no realce cítrico. Por fim, a conta tinha dois erros: colocaram o couvert que recusamos e não cobraram as águas consumidas. E veio destemperada – desproporcionalmente caro, particularmente o preço do vinho.
Outro restaurante que fomos por indicação de uma amiga é o Le Jazz, em Pinheiros. Para ser breve: uma brasserie descontraída, apinhada de gente, burburinho,  música boa.... Os banheiros são parisienses no tamanho minúsculo, parecem uns armários – o feminino tem uma foto divertida.  O menu é variado e os preços plenamente compatíveis com a comida, inclusive os dos vinhos.
Não é alta gastronomia, mas é um lugar para voltar simplesmente porque saí de lá contente.

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