quinta-feira, 29 de outubro de 2009

contos curtinhos de gonçalo tavares


Uma vez um médico mandou-me despir todo e depois disse:
--Ouça lá, isso é corpo que se apresente?
Ele tinha uma certa razão.
--Mas este corpo sabe dançar muito bem -- respondi-lhe na altura.
--Isso era bom antes da revolução -- disse ele -- Agora já ninguém valoriza alguém por saber dançar. Nos tempos que correm o necessário é trabalhar para construir um mundo novo e você não tem um corpo digno para o trabalho. O seu corpo é uma vergonha -- disse ele, no fim -- uma vergonha!
Desde aí -- não sei bem por quê -- comecei a ter uma certa aversão a revoluções.
Está-me no sangue.
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Quero comprar uma máquina que pense por mim.
Tenho o livro de um filósofo.
Tenho 2 livros de um filósofo.
Um livro é uma máquina que pensa por mim
e é uma máquina barata.






"A minha crueldade começou por acidente.
Um dia salvei um homem que se queria matar e hoje ele está vivo
e tem uma vida completamente
desgraçada."


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Um dia, o professor de física pediu-me para calcular a energia libertada no choque do corpo de um menino que caíra da altura de 50 metros.
Eu respondi-lhe que se o menino fosse mesmo menino nunca chegaria ao chão, mais que não fosse por teimosia.
As crianças são muito teimosas, toda a gente sabe.
Têm a mania de contrariar.
Se lhes dizem: façam isto!
É mais do que certo que elas não o façam.
Está-lhes no sangue.


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