sábado, 17 de outubro de 2009

A tentação de Santo Antônio

Convencido de que navegar é preciso, Pedro Cabral partiu de Portugal a bordo de uma nau e veio encostar o casco aqui na Bahia, juntinho do lugar que escolhi para morar. É motivo de discussão o sítio exato onde ele e os outros caraveleiros aportaram. De qualquer maneira, há um marco de monumental mau gosto em Coroa Vermelha. Terá sido lá que os portugueses desembarcaram para apertar a mão dos nativos e pedir informações sobre as minas e os ouros dos tolos?
Enquanto isso, na Itália, lado a lado com as expectativas otimistas e o sopro de modernidade trazidos pela descoberta do brave new world, desenrolava-se um movimento cultural luminoso e humanista conhecido como Renascimento.
Mas havia algo de podre no reino da Dinamarca.
Havia um clima apocalíptico no ar – pois o mundo ia se acabar.
Os discursos sobre os castigos terríveis que afligiriam os pecadores (praticamente toda a Humanidade) e a proximidade do fim dos tempos insuflava as multidões. Mesmo Cristóvão Colombo, acostumado aos perigos dos oceanos, gastou seu tempo e conhecimento matemático para marcar o dia do Apocalipse Now – seria em 1650.
A arte abriu espaço para essa tendência apocalíptica. As visões do final do mundo começam a aparecer em pinturas que procuravam mostrar o panorama da danação que se aproximava. Quem se notabilizou nesse campo minado foi Hieronymus Bosch, um dos últimos pintores medievais (Países Baixos) de formação religiosa fortíssima. Sua obra mais desconcertante A Tentação de Santo Antônio retrata um mundo grotesco, putrefato e decadente. A variedade de monstros e demônios da tela é espantosa, numa alegoria aos tormentos da alma do Santo, um peregrino que passou a maior parte de sua vida no deserto egípcio. Há um diabo com crânio de cavalo tocando alaúde; um peixe engolindo um homem; uma mulher cavalgando uma ratazana; monstros imaginários sortidos; incêndios; objetos voadores não identificados.
São imagens asquerosas, mas que exercem um enorme fascínio – é o bizarro em forma de arte.

Nenhum comentário: