sábado, 23 de janeiro de 2010

Despedida (1)



Cara Dona Josefina,

Eu acho que a senhora não pôde ver a cerimônia que se passou na sua despedida lá em Belmonte, ontem. Ou se viu, foi de modo muito diferente do nosso. A senhora estava de corpo presente, logo na primeira sala à direita de quando a gente entra no casarão bonito de traço colonial, típico da época que Belmonte era um próspero lugar para se viver à sombra do cacau. Tanto que a casa, que hoje pertence à sua filha, tem um mundo de quartos e nunca vi tanta porta. A senhora estava lá, e também vi os seus livros de cerâmica, inclusive aquele da Catalunha, deve ter sido comprado na época que viajou para a Espanha. (agora acho tão bom que tenha feito esta viagem) Entramos, a casa estava cheia – a senhora nem imagina o tanto de pessoas que acorreram para lá, tão logo souberam da notícia. Nunca vira tanta gente de Santo André junta para evento particular, a não ser no aniversário dos 80 anos de Dudu, duas ou três estações para trás. Como de costume, a senhora estava toda arrumadinha, era um de seus traços, o gosto pela elegância, as roupas sempre adequadas, os desenhos delicados de tons pastéis nos seus pratos de porcelana, as orquídeas florescentes no jardim de sua casa. Sua família estava chorosa e triste ao mesmo tempo que tão bonitos, todos vestidos de branco, as filhas, os genros e os netos. Só não deu tempo para sua neta mais velha chegar, a senhora lembra, não é, Yasmim mora na Alemanha.Tudo aconteceu bem devagar, neste seu último dia entre nós, Da. Josefina. O tempo estava quente e abafado, as pessoas se espalhavam quietas pelas salas, cozinha, calçada, algumas assistiam um vídeo de um programa especial de Roberto Carlos ou conversavam com amigos que há tempos não viam. Aguardávamos com paciência, de qualquer maneira dias assim têm sempre um toque de irrealidade, malgrado pouca coisa desta vida seja mais real do que a morte. Mais tarde a banda chegou, eram quatro homens e quatro instrumentos de sopro – tocaram uma música de melodia tranqüila e foi com suavidade que pousaram a senhora na parte de cima da camionete branca. Nesse momento sua família e vários dos demais se emocionaram e choraram muito, talvez por não ser possível esquecer a infalibilidade da última jornada. Saímos, um cortejo de carros, os netos maiores ao seu lado com as faces vermelhas do choro, a gente notava o olhar respeitoso das pessoas nas ruas, passamos no farol antigo, alguém mencionou que foi construído pela mesma companhia que fez a Torre Eiffel, outro traço do antigo fausto de Belmonte. No cemitério daqui, meu marido me contou, a divisão social persiste pela eternidade: à parte dos comuns mortais, tem um lugar chamado de Baixada Fluminense – é onde se enterram os bandidos – e outro espaço reservado para os índios.

Eu poderia falar dos coqueirais laterais ou da proximidade do mar no lugar onde agora a senhora repousa, Da. Josefina, ou ainda das cores e leveza das flores soltas – buganvílias, helicônias, hibiscos – mas a parte da cerimônia mais tocante não é possível explicar com palavras e aqui eu me despeço mas não de todo, porque da senhora ficam vários descendentes, essa gente bonita e de valor que a gente tem a sorte de conviver aqui no povoado.

6 comentários:

Unknown disse...

Triste mas lindo..., muito lindo. Lou

olimpia disse...

Oi Lou,
aqui no povoado temos também uma Luciana, pensei que o comentário era dela, mas nos encontramos ontem à noite e ela me disse que não.
Então fiquei sem saber se você conhecia a Da. Josefina e Santo André...
de qualquer maneira, obrigada por ter vindo até aqui.

#tokabatuke disse...

muito sentido e bonito este post. em verdade a dona josefina deixa uma lembrança inesquesivel para todos aqui. marcelo de santo andré

olimpia disse...

Caro Marcelo:
embora isto nem sempre aconteça, uma das coisas boas de Santo André é este sentimento comunitário que perpassa pela Vila... espero que possamos mantê-lo e aumentá-lo...

Henry disse...

Para os Amigos de Santo André e do mundo

7 dias se passaram desde a partida da nossa Josephina... continuamos tristes e comovidos... também nos sentimos emocionados por todo o carinho e solidariedade que recebemos... desde o começo e talvez até a eternidade desses que hoje chamamos de verdadeiros amigos.. aqueles de todas as horas.

A todos damos nosso mais profundo agradecimento... a gente sentiu em cada abraço dado e em cada abraço pensado esse imenso carinho fraternal das pessoas que nos rodearam nestes dias todos.

Ana Lucia | Ana Teresa
Yasmin | Patrick |Jan | Jade | Paloma | Steffano | Henry | Jürgen

olimpia disse...

Querido Henry:
Obrigada por seu depoimento, tão bonito. Estas horas, apesar de tristes, dão ensejo ao pensamento e à reflexão voltada para o nosso interior.