domingo, 28 de junho de 2009

O thriller da viagem


Acordei com o som macio da chuva tamborilando nas ramarias das árvores e a fugidia imagem de Morgan Freeman que escapava, sorrateiro, de um sonho matinal cujo significado é um enigma pessoal

“adeus madrugada
que um segredo aceso
sobrou lindo ainda
soprando giz” (*)

Depois das abluções matinais (decorei esta expressão dos romances portugueses), abro a mala e começo a empilhar os objetos imprescindíveis para a viagem que se avizinha: as senhas impressas para retirar os ingressos da FLIP que comprei pela internet, as chaves do apartamento e o celular de São Paulo, a caixa de sapatos repleta de drogas legalizadas, a escova de dentes e os óculos.
O resto é silêncio: roupa, sapato, brinco.
Liguei o laptop pensando em postar a nênia(** )que o amigo Piero escreveu para Michael Jackson no http://www.apaneutheon.blogspot.com/ e de quebra ainda trouxe de lá uma escrita de Caetano Veloso.

"passo à lua, mais leve,
lá onde o nunca cresce,
lá onde a mistura já cai:
estranho odor da infância,
esse, ainda permanente,
de luvas e luzes, da pele
e dor – tida – acossada
e respirando, dança."

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O anjo e o demônio da indústria cultural
Por Caetano Veloso

A notícia da morte de Michael Jackson foi um grande abalo. Cheguei ao Teatro do Sesi de Porto Alegre e ao ser informado pensei imediatamente em meus filhos Zeca e Tom. Logo Daniel Jobim me veio à mente. Ele é conhecedor e devoto de Michael desde a infância. Moreno, meu filho mais velho, que é amigo de Daniel, também dedicou afeto intenso à figura desse gênio do nosso tempo. Mas são meus filhos menores que hoje se sentem mais atraídos por seu estilo.Como todo mundo, acompanhei Michael desde que ele era pequeno. Como todo mundo, fiquei siderado pelo cantor e dançarino de "Off the Wall" e "Thriller". Como todo mundo, fiquei entre fascinado, enojado e apreensivo diante das transformações físicas por que ele passou. O que quer que tenha havido entre ele e aqueles meninos cujos pais o processaram, acho-o moralmente superior a esses pais.Michael é o anjo e o demônio da indústria cultural. A serpente do seu paraíso e seu mártir purificador. Os talentos artísticos extraordinários frequentemente coincidem com vidas torturadas e enigmáticas. Michael era um desses talentos imensos. Dançando "Billie Jean" na festa da Motown ele foi sim tão grande quanto Fred Astaire: comentava o Travolta de Saturday Night Fever e o Bob Fosse do Pequeno Príncipe (este, uma influência fortíssima e evidente, que nunca vi mencionada). Vou entrar agora no palco pensando em Tom, Zeca, Moreno e Daniel - e, com um nó na garganta, no sentido da nossa atividade. Ele a representava em sua totalidade, fulgurantemente, tragicamente, divinamente.
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(*) versos de Pedro Rocha, poeta carioca
(**) canto fúnebre

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