sábado, 6 de junho de 2009

Orçamento Participativo


Esta semana houve uma reunião aqui no povoado sobre o Orçamento Participativo, uma experiência de política pública cujo objetivo declarado é viabilizar a participação da população na escolha das prioridades a serem atendidas com recursos públicos.
Aconteceu na escola municipal – estava cheio. Tudo vira festa, em cidade pequena. Havia crianças elétricas, velhos calados traindo a curiosidade pelo jeito do olhar, adolescentes explodindo de inquietação, adultos de ambos os sexos: o burburinho fez com que o primeiro palestrante precisasse pedir silêncio.
Era um sociólogo: estava ali para explicar. Falou falou e talvez por ter abusado das palavras não logrou o seu intento. Naquela enxurrada de informações e do uso de palavras e conceitos não usuais no contexto de Santo André, mesmo prestando atenção, era difícil entender. Um senhor da platéia, cansado, interpelou-o, até com uma indesejável rispidez, mas adorei o efeito: o homem abreviou a agonia discursiva.
Infelizmente para nós, o povo, muitas vezes os homens dito públicos fazem o seu trabalho com enfado, como um velho professor que já decorou as lições e dá aulas de forma automática, sem alma, sem procurar o envolvimento dos ouvintes.
Após um intervalo curto demais para as perguntas chegou a vez do prefeito: falou com desenvoltura, demonstrando mais segurança agora do que na época da campanha. Ouviu com paciência as antigas reivindicações sem deixar de frisar o rombo orçamentário deixado pelo prefeito anterior.
Aí está a maior vantagem deste novo governo municipal: o anterior foi tão ruim e corrupto que a esperança voltou a zunir pela Vila.
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Curtas do Cine Cajueiro
Na última exibição de filmes na rua começou a chover sem aviso prévio. No meio do filme, aquela água toda. Um garoto teve o bom senso de jogar seu casaco por cima do equipamento: gostei tanto deste gesto protetor!: deu tempo para o Cláudio correr e desmontar a parafernália. Os meninos, porém, não foram embora, fosse pela chuva, fosse pelo aglomerado deles mesmos sob o portal de piaçava daqui de casa. Ou porque redescobriram a brincadeira de ir ao banheiro: adoram o nosso banheiro. Entendo: a textura branca da parede agora tem faixas marrons do esfregaço de mãos, as corujinhas de vidro ficam desalinhadas, o papel higiênico se amontoa em rolos dentro do cesto e a descarga trabalha dobrado. Organizo em fila, para evitar tumulto.
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De repente, um barulho surdo e pesado: viramos os pescoços na direção da casa da Dudu. Foi uma árvore grande que desabou. Só quebrou uma pontinha da cerca. Sorte.
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Sob o abrigo da mangueira, nessa mesma noite, o menino de uns 12 anos puxa a conversa: pintou o cabelo? Acenei que sim e comentei sobre a mecha vermelha do cabelo dele, bem em cima da testa. Por um tempo ficamos a conversar sobre cabelos e tintas, indiferentes à diferença de gênero e de idade.
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Chove (quase) sem parar. O antigo leito do Acuba, o ribeirão que serpenteia pela povoação, antes com o leito seco à mostra, agora transborda água. A última vez que isto aconteceu foi na mítica inundação sobre a qual todos falam, quando Santo André virou ilha e os moradores passaram a andar de canoa, até para ir na casa do vizinho.
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Ontem à noite fui a um encontro xamânico organizado por Ana Xara, na Pousada Gaili, com a presença de outro xamã*, mineiro, um convidado especial com larga experiência e estudos nessa área. Também estavam duas índias pataxós de Coroa Vermelha, uma delas, a mais velha, uma senhora pajé. Fato raro, geralmente esta função é exercida por um homem.
A sala grande da pousada estava bem cheia, os participantes vieram do Rio, de Minas, de Arraial, de Porto Seguro e daqui de Santo André. Embora eu não seja adepta e nem sequer crente – sou uma mulher cética, não tenho o conforto da religião nas horas de sufoco existencial -- percebi que faz bem para muita gente e que o clima humano era bem gostoso.
(*xamã, em definição do Aurélio: “em diversos povos e sociedades, especialista a que se atribui a função e o poder, de natureza ritual mágico-religiosa, de recorrer a forças ou entidades sobrenaturais, para realizar curas, advinhação, exorcismo, encantamento, etc e cuja atuação pode ou não envolver um estado de transe).

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