quinta-feira, 15 de abril de 2010

o menino da praia

Saí de casa apressada, para caminhar na praia enquanto a tarde ainda existia. O tempo estava fresco e luminoso, um sol tímido e terno espalhava uma pálida cor amarela pela areia fofa e branquinha onde meus pés descalços afundavam; ao longe, as ondas arrebentavam na crista dos abrolhos. A paisagem estava espiritualizada, embora não houvesse vivalma até onde minha vista alcançava. Só o infinito do horizonte. Passei pela Ponta, dobrei a curva do rio e entrei na imensidão, aspirando com gosto o marinho do ar. Sempre que passo por esta parte da praia aguço os ouvidos para distinguir melhor a passagem brusca da mansa sonoridade que acompanha a margem do rio para o rumor forte que vem do oceano. Se há companhia, é preciso acrescentar algumas oitavas ao tom da conversa para sobrepujar o som da natureza. Passei pelas cadeiras e guarda-sóis vazios, pelos apetrechos dos trabalhadores da praia que já haviam se retirado; não há escunas com turistas nesta hora tardia.
De súbito vejo surgirem o menino e o cavalo – como uma aparição saída de dentro da restinga, eles emergiram da primeira trilha estreita que vem da avenida até a praia. Vinham cantando galope na beira do mar. Reparei que não havia sela, o garoto magrinho, trigueiro, se equilibrava altaneiro em cima de uma espécie de almofadão de cor malva indefinida.
Não reconheci o menino, talvez more em Santo Antônio. Passaram por mim como se invisível eu fosse, e continuaram a corrida, mudando o passo para o trote na altura do campinho de futebol de areia. Aquela inopinada visão me intrigou, amainou meu passo e finalmente me fez estancar e dar meia-volta para rever a destreza do infante cavaleiro – devia ter uns doze ou treze anos. Voltei sobre meus passos esperando dar de cara com eles a qualquer momento – o que não aconteceu. Percorri todo o caminho de volta até chegar aos degraus que separam o final da praia do acidentado percurso que nos leva até a Vila – acho que cavalo não sobe escada, mas poderia ter subido pela rampa que está ao lado. Nem sinal do cavalo, nem do menino. Teriam se enfiado no mato? Ali não há vista de picada. Teriam entrado na pousada do Rogério? Não parecia provável. Foram para o povoado pelo paredão que serve de dique? Arriscado: de vez em quando alguém desaba no braço de mar. Acabei desistindo de encontrá-los, sem imaginar que voltaria a ver o garoto naquela mesma noite, quando me dirigia para a pizzaria da vizinha. Estava sentado com garbo numa das estacas de eucalipto que separam a lojinha da Mônica da rua. Aproximei-me para matar a curiosidade que me espicaçava – ele se chama Iago! É o segundo menino com este nome que encontro em Santo André. Será que ele sabe a força e o peso que este nome traz? Não importa: quem precisa de Shakespeare quando se tem a liberdade de cavalgar um cavalo à beira-mar?
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Em tempo: eles subiram a rampa e seguiram margeando a cerca da Pousada da Ponta até atingir a rampa lateral ao restaurante Gaivota, feito que só comprova a destreza do garoto na condução do animal
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Dedico esta croniquinha a um garoto igualmente encantador que mora em Milão, mas é baiano por nascimento e tem casa em Santo André. O nome dele é Alfa.

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