Antes mesmo de por os pés na pista
do aeroporto, ainda descendo a escadinha do avião, não pude afastar a lembrança daquele surradíssimo refrão baiano: sorria, você está na Bahia. O que isto significa para cada povo é matéria plástica de ampla mutabilidade. Os paulistas, por exemplo, parecem nutrir uma dúvida excruciante. Aqueles de maior arrogância não se incomodam de nivelar os nordestinos em geral, jogam todos no mesmo saco e chamam de baiano todo mundo que fala oxente. Por “baiano” entenda-se o peão, o jeca, o pobretão. Outros, pelo contrário – milhões de outros, porque São Paulo é a nossa China – pensam que o paraíso é aqui. É tanto mar, tanta praia, tanta magia, sensualidade e simpatia. Aparentemente, os gaúchos se alinham com a noção paradisíaca, até notei que a presença dos gaúchos aqui na Vila só tem aumentado. No verão, várias vezes vi mesas de bares e de restaurantes cheias de gaúchos e de brasileiros -- os que eu conheço têm laços afetivos (e também imóveis) com o lugarejo.
Lembro agora de uma caricatura que achei numa revista americana (the new yorker) durante um vôo demorado: mostrava uma cigana consultando o futuro de um cliente na sua bola de cristal. A imagem mediúnica que aparecia na bola era de uma praia com coqueiros, luar e um casal de ar idílico caminhando de mãos dadas. Ao ver esta cena, o olhar do cliente brilhou como estrela cadente, porém a legenda embaixo da charge era broxante, a cartomante dizendo que aquela visão era apenas o papel de parede da bola de cristal.
Depreendi daí que tal imagem faz parte do imaginário coletivo das gentes – é o que muita gente quer fazer no futuro, de preferência “abrindo uma pousadinha”. Ilhas dos mares do Sul, Caribe, Polinésia, Taiti, Ilhas Maurício, todos estes nomes de lugares trazem consigo uma atmosfera – eles já chegam pra nós carregados “de clima” -- muitas vezes evocam a possibilidade de um amor, uma paixão. Acho que o clichê também se aplica à Bahia.
E agora me lembrei também do que se passou no pós-verão de Santo André entre uma visitante, uma mulher estrangeira, e um homem nativo conhecidíssimo do lugar, mas vou logo avisando que daqui pra baixo qualquer semelhança com alguém que você conheça é mera coincidência e se você insistir em pensar que conhece fique sabendo que seria tudo com consentimento da protagonista, se fosse verdade.
Pedro Juan Gutiérrez, em Trilogia Suja de Havana, cravou a seguinte passagem Esses amores fugazes são deliciosos porque carecem de expectativa. Não têm passado nem futuro. A expectativa destrói muitas coisas. Mas aprender a evitá-la é uma arte.
A moça, “a gringa”, que apareceu no verão, é um mulherão. Loira , olhos azuis, um sorriso bonito Alegre, bem falante, o tipo de pessoa que atrai simpatias (e olhares). Logo conquistou um namorado, um namorado complicado, parece que é casado, mas tocaram o assunto pra diante. Dançaram, sorriram, se amaram daquele jeito chamado de biblíco. Nos tornamos amigas, confidentes. Contou-me que estava lendo Jorge Amado, esse escritor que se definia como “um baiano romântico e sensual”. Ah, meu Deus, pra quê? Foi como jogar gasolina na fogueira. Uma noite a tentação foi tanta que se amaram ali mesmo, num lado da rua, era noite alta, contudo havia olhos despertos e bem abertos. Por azar do casal era de um rapaz conversador e nem as bananeiras ao redor impediram que as senhoras que moram por ali, também vissem o ardor da cena ou deixassem de escutar a trilha sonora. (houve protesto na igreja).
Talvez isto tenha afugentado o Romeu. Já não atendia as ligações, nem aparecia amiúde como antes. Ela também desistiu, foi embora, mas já avisou que volta no próximo verão e desta vez quer um romance legal, com outro nativo moreno.
Afinal, estamos ou não estamos na Bahia?
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