sábado, 6 de março de 2010

todas as famílias felizes se parecem entre si, as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira


Hoje o dia amanheceu chuvoroso, um excelente álibi para quem gosta de ler e se sente culpada porque não está caminhando na praia de biquíni, como todo mundo. Fiquei olhando a chuva cair, alerta aos guinchos dos micos, invisíveis, nos ramos do arvoredo vizinho. Suspirando de satisfação, abri o livro Equador na página marcada e  me deixei envolver pela aventura radical que o personagem principal enfrenta quando aceita o convite de Dom Carlos  para ser o Governador das Ilhas de São Tomé e Príncipe, no ano de 1905. À época, segundo o autor, estas minúsculas possessões ultramarinas de Portugal, plantavam o melhor cacau do mundo, em produção tão poderosa que se aproximava da quantidade produzida na Bahia e fazia a Inglaterra cogitar um boicote comercial para proteger os produtores ingleses.  As primeiras linhas do livro, de Miguel Sousa Tavares,
Depois de as coisas acontecerem, é quase irresistível refletir sobre o que teria sido a vida se se tem feito diferente
Nada especial, se colocado ao lado de começos inesquecíveis como o de Anna Karenina, um romance de moral feroz
Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira  (Tolstoi)
----------------------
Outro trecho inicial interessante - do romance “Coração tão branco”, do espanhol Javier Marías
Eu não quis saber, mas soube que uma das meninas, quando já não era menina e não fazia muito voltara de sua viagem de lua-de-mel, entrou no banheiro, pôs-se diante do espelho, abriu a blusa, tirou o sutiã e procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai, que estava na sala de almoço com parte da família e três convidados.
Procurei um começo inesquecível  mais alegre e motivador, parando no de Lolita (Nabokov, outro russo),
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Reparei que o tradutor foi o Embaixador Jório Dauster, uma pessoa que foi meu primeiro Chefão, na época em que trabalhei na equipe de renegociação da dívida externa brasileira junto aos bancos credores internacionais. Inesquecível aquele dia de neve pesada passado nos escritórios centrais do Citibank, em New York, quando sentadinha lá no fundo da sala – como convinha aos funcionários menos graduados do governo brasileiro – escutei um big shot do Dresdner Bank falar uma grosseira dirigida aos membros da missão brasileira. Houve aquela pausa do silêncio tenso só rompido quando o Emb. Dauster respondeu em tom casual e elegante que o banqueiro alemão e ele tinham algo em comum – nenhum dos dois era falante nativo do idioma inglês, por isto ambos falavam asneiras sem o saberem. Vim aqui na lan house  só para dar uma olhadinha no meu correio eletrônico,  acabei me detendo em outras paragens.
(foto da cafeteria Olímpia, no centro de Roma, contribuição de Camila)

Nenhum comentário: