terça-feira, 18 de maio de 2010

Pilão Arcado, a Velha e a Nova

Tem um programa na internet, o Feedjit, que dá uma idéia dos posts mais visitados pelos leitores dos blogs. Sabe-se lá porque cargas d’água, aqui no redefurada um dos favoritos é um post que coloquei em 2008 após percorrer um trecho do rio São Francisco numa canoa motorizada, acompanhando meu marido que fez o percurso desde a nascente do rio em Minas Gerais (Serra da Canastra) até a barragem de Sobradinho, na Bahia.
Como é de praxe durante a construção de usinas hidreléticas, para que Sobradinho surgisse foi preciso submergir uma cidade chamada Pilão Arcado; neste caso o afogamento não foi completo porque sobraram algumas ruínas sobre uma pequena ilha de terra escura no meio da imensidão do lago da barragem.
A primeira parte deste post era assim:
Submersa pelos bilhões de litros d´água da barragem de Sobradinho, repousa a antiga Pilão Arcado. Restaram raras ruínas, amparadas por um sítio mais alto. Uma igreja, duas casas, três muros.
Uma sensação de grande estranheza tomou conta de mim enquanto perambulava no parco espaço de terra firme restante. Acho que a maioria de nós sente essa espécie de fascínio ao caminhar em lugares subitamente abandonados ou destruídos, como em Pompéia, na Itália, ou na ilha grega de Santorini.
Quem teria vivido aqui? Como a cidade desapareceu do mapa, lentamente ou de repente? Como foi feita a transferência da população e de seus pertences? Onde foi parar o cartório com as certidões de nascimento? Múltiplas perguntas, mínimas respostas.
Ainda moram naquele ermo um homem jovem, sua mulher e seu filho.
Totalmente sem vizinhos.
A segunda parte foi escrita um ou dois dias depois:
Pilão Arcado, a Nova
Para entrar nas águas da barragem de Sobradinho partimos cedo em dois barquinhos. Nós no bote do Cláudio, no outro o Dagoberto, um amigo de Brasília. A água é clara, translúcida, em forte contraste com a cor barrenta do rio São Francisco. O vento norte entrava forte levantando “maretas” -- é assim que os pescadores locais chamam as ondas do rio. Por precaução (e medo), foi preciso parar algumas vezes nas margens do Velho Chico – o barco balançava muito, entrava água – e só conseguimos chegar ao vilarejo de Passagem na hora do pôr-do-sol.
Quando as maretas ficaram pra trás, seguimos apreciando a beleza do rio, observando o pessoal ribeirinho, a vegetação de dentro e de fora da água, os peixes saltadores. Horas e horas transcorridas em estado zen, beirando à irrealidade.
Passamos depressa por Passagem, apenas uma noite. Vimos o local onde antes existira uma ponte, não deixou nem vestígio, as águas da represa cobriram. Ficou só uma estradinha para Pilão Arcado – a Nova Pilão Arcado, porque a velha Pilão foi inundada.
Pilão Arcado Nova tem 4 prédios de porte: a casa do prefeito, a casa do tesoureiro da cidade (por sinal, irmão do prefeito), um monstruoso templo de religião evangélica e uma boa pousada – do irmão do prefeito, é claro. Ah! Tem ainda uma praça grande e bonita, novinha – bem em frente à casa do prefeito. Pilão já nasceu velha e arcada no campo da política.
Na fachada do “Supermercado Melo” vi uma série de furos enormes desenhados na parede, feitos de rajadas de metralhadora. Contam que o tiroteio durou quase uma hora durante um assalto à agência do Banco do Brasil, que fica ao lado do supermercado. O gerente do banco morreu, assim como os assaltantes. Pilão ficou ainda mais arcado.
Notei que os moradores se empenham numa medonha atividade esportiva: competem ferozmente para ver quem consegue ter a parafernália musical que mais azucrine. São imbatíveis na modalidade “carro com som alto”, ou desfilam incansavelmente pelas ruas ou param na praça com aquela zoeira alucinante.
É diferente ver o Brasil de fora das metrópoles, mas não tenho saudades de Pilão Arcado nem passo mais em Passagem.
---------
bati o primeiro instantâneo nas ruínas de Pilão Arcado
-------------

esta segunda foto é da região de Belo Monte, onde surgirá uma nova hidrelética brasileira

2 comentários:

Unknown disse...

Senhora Olímpia.
Li seu texto sobre Pilão Arcado Antiga.
Alíás, tropecei na "rede furada" a partir de uma busca sobre fotos das cidades inundadas pelo São Francisco para plantar barragens e aguaceiros açudados.
Sou engenheiro civil, mas carrego um fascínio por ruínas de edificações.
Digo isto porque deveria me ocupar da obra em pé, erguida imponentemente.
Não.
Gosto do espantalho de concreto, tijolo despencando, painéis de alvenaria aos pandarecos.
E estórias dentro da história.
Vida revelada em pedra removida que já foi servida, hoje ainda tem serventia.
Junta-se a tocos de madeira carcomida e cacos de telha.
E nos impressiona e impulsiona a perguntas do tipo:
Quem vivia aqui.

olimpia disse...

Caro Inaldo,
Desculpe-me pela demora em responder e publicar seu comentário.
Amei sua interpretação!
Senti exatamente a mesma curiosidade: quem vivia ali?
Só hoje -- graças a você -- notei que havia colocado uma foto do sítio de Belo Monte, a usina hidrelétrica do Pará.
Isso foi em 2010.
Em 2014 meu filho -- também engenheiro civil -- foi trabalhar na construção dessa obra. Ainda está por lá, deve regressar para o Sudeste no começo do próximo ano.
À época, eu nem imaginava...
obrigada!
Olimpia